Especialistas discutem razões para afastamento dos cidadãos da política
Guilherme Oliveira
Nas últimas eleições
presidenciais brasileiras, em 2010, a abstenção eleitoral cresceu pela
primeira vez desde 1998. A taxa de 18,12% é inferior à média registrada
nos últimos 16 anos (18,53%), mas quebrou a tendência de comparecimento
eleitoral crescente que o Brasil vinha experimentando nas décadas
anteriores.
Para especialistas, porém, esse número não
é motivo de preocupação. Segundo Manoel Leonardo Santos, professor de
Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), uma
abstenção de até 20% não chega a ser sinal de problemas em uma
democracia.
— A política não interessa a todo mundo
mesmo, não. Isso é natural. Mesmo em democracias altamente consolidadas a
participação não é total — minimiza ele.
Santos acredita que o país passa por um
momento de afastamento dos cidadãos em relação à política, o que teria
culminado nas manifestações de rua de junho de 2013.
— Tivemos um evento incomum, onde um forte
sentimento antipolítica foi repercutido. As pessoas reagem a isso. Acho
que esse é um problema residual. A partir do momento em que o debate vá
se aprofundando, as pessoas se envolvem mais — acredita o professor.
De acordo com Acir Almeida, técnico de
planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), essa tendência de distanciamento dos eleitores pôde ser
registrada em diferentes países em tempos recentes.
— O engajamento das pessoas tem aparentado
declínio mesmo nas democracias mais consolidadas. É um padrão
internacional, mas ainda não há explicação consolidada para isso —
observa.
Santos e Almeida participaram do 1º
Seminário de Estudos e Pesquisas no Poder Legislativo, promovido pelo
Instituto Legislativo Brasileiro (ILB). A instituição funciona como
centro de estudos, destinado tanto à qualificação dos servidores do
Senado quanto a atividades de educação à distância, várias das quais
abertas a todos os brasileiros.
O porquê da abstenção
Os motivos que levam o eleitor a não votar
são tão desconhecidos para estudiosos da Ciência Política quanto os que
o impulsionam às urnas.
— As razões que movem o eleitor são uma
esfinge. Por que as pessoas votam quando sabem que sua possibilidade de
influenciar o resultado é ínfima? Votam por algum sentimento de
pertença, ou porque acham importante a democracia, e uns votam só porque
é obrigatório — avalia Santos.
A obrigatoriedade do voto é, por razões
óbvias, apontada como o principal motor da participação eleitoral no
Brasil. Almeida, porém, não acredita que ela conte a história toda.
— Voto obrigatório significa
comparecimento obrigatório. Se você vai pensar no seu voto é outra
história. É importante ter essa distinção em mente — salienta o
pesquisador do Ipea.
Um fator de peso que ainda restringe a
dimensão da participação eleitoral no Brasil, segundo Almeida, é o
estabelecimento ainda recente de eleições regulares e abertas no país.
— O que falta, no caso brasileiro, é
tempo. Nossa experiência democrática ainda é recente, e a constituição
de laços fortes [dos partidos] com o eleitor demanda tempo. Esperar que
tenhamos o mesmo grau de politização de eleitores europeus, por exemplo,
não faz muito sentido.
Ausência que incomoda
Almeida enumera uma série de fatores que se juntam para manter o eleitor em casa no domingo de eleição.
— Características das regras eleitorais,
educação, aspectos socioeconômicos... No Brasil, temos diferenças
regionais muito grandes e é natural que haja taxas diferenciadas por
causa dessas diferenças. Isso tirando as variáveis de natureza
político-eleitoral — lista ele.
As diferenças regionais geram um fenômeno
que o professor Manoel Leonardo Santos classifica como grave: os índices
de abstenção são maiores nas regiões mais carentes do país, onde os
eleitores têm menor renda, pior nível educacional e menos acesso à
informação.
Essa análise é corroborada pelos dados.
Dos dez estados com maior média de abstenção eleitoral entre 1994 —
primeiro ano disponível na série histórica do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) — e 2010, sete aparecem entre os piores Índices de
Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, segundo o estudo mais recente do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
— Quem menos participa são aqueles que
mais precisam participar. A falta de envolvimento político de setores
menos favorecidos da sociedade acaba reproduzindo as desigualdades e
deixando essas pessoas de fora do processo — alerta o professor.
Voto obrigatório
O Brasil é um dos 22 países no mundo em
que o voto é obrigatório. A enorme variação das taxas de abstenção entre
essas nações, entretanto, indica que fazer da participação eleitoral um
dever não é garantia de presença maciça ou de afastamento político.
A taxa brasileira de 18,12% de ausentes
está bem abaixo da média desses 22 países se consideradas apenas as
eleições mais recentes em cada um deles: 25,09%. A média apenas dos
países latino-americanos também supera a estatística brasileira: 25,01%.
Incluem-se aí, além do Brasil, Bolívia, Uruguai, Peru, Equador,
Argentina, Panamá, Costa Rica, Paraguai, México, Honduras e República
Dominicana.
Os extremos dessa lista de 22 mostram as
diferenças possíveis dentro de sistemas eleitorais semelhantes. Países
como Bolívia, Austrália, Cingapura e Luxemburgo não chegaram a 10% de
abstenção em seus últimos pleitos. Por outro lado, as taxas chegaram a
ultrapassar a casa dos 30% (Grécia, México), 40% (República Dominicana)
ou mesmo 50% (Tailândia).
Os especialistas consultados veem o Brasil num bom patamar de participação política.
— O eleitorado brasileiro é politizado,
sim. Boa parte da população se entusiasma na época de eleição — acredita
Acir Almeida, do Ipea.
— Há uma multiplicidade de ideias e de
representação política Brasil afora, e espaço para a discussão de temas
variados — completa o professor Manoel Leonardo Santos.
Agência Senado
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