Os satiristas levam o público às gargalhadas



Ao introduzir os convidados da mesa literária, como habitualmente faz, o curador Miguel Conde parabenizou o público que, às dez horas da manhã do sábado, se reunia na tenda dos autores para assistir os poetas Zuca Sardan e Nicolas Behr, em conversa mediada pelo também poeta Francisco Alvim. Com essa saudação, referia-se às poucas horas de descanso que provavelmente tinham tido todos: “As noites vão ficando cada vez mais longas”, justificou, lembrando os bares, restaurantes e a praça da Matriz de Paraty, sempre cheios até altas horas durante a Flip. Pois o sono passou longe da mesa Maus hábitos: não só os três poetas fizeram leituras e falas performáticas no palco, como também o público aplaudiu e gargalhou ao longo de todo o encontro.


A verve satírica que Zuca Sardan (que publicou, entre outros, de Osso do coração e Ás de colete) e Nicolas Behr (autor de diversos livros impressos em mimeógrafo, a partir dos anos 1970, como Iogurte com farinha) emprestam a suas obras caracterizou a conversa. Chico Alvim apresentou os poetas pelo tempo de amizade com cada um: 60 anos com Zuca, 30 com Nicolas. “De modo que é uma panelinha, vocês não reparem.” Ainda se aquecendo para o que viria a seguir, Zuca falou um pouco da recepção a uma poesia que ia contra à poesia “boazinha” que se esperava. “A gente era uma espécie de confraria quase secreta de jovens que procuravam ser lúdicos, engraçados, irreverentes, mas tudo com isso com uma intenção de participação na indagação, de colocar em dúvida os princípios, contra todas as ideologias prontas, já entregues embrulhadinhas, só pegar e botar pra dentro”, disse. “Tivemos que esperar para que nossos maus hábitos fossem aceitos”, disse.


Nicolas recuperou sua trajetória: a mudança, quando adolescente, de Cuiabá para Brasília, cidade que se tornou sua “obsessão poética”. “Saí do mato para a maquete. Eu disse a mim mesmo, ‘Não vou me matar nessa cidade, vou procurar uma saída’. E a saída foi a poesia”, contou. “Vou dizer uma coisa da qual sempre me arrependo: Brasília precisa de mim”, disse, arrancando algumas risadas da plateia e dos colegas de palco.
“É uma cidade tão mal compreendida, tão estigmatizada, no inconsciente coletivo só tem gente de jatinho para lá e para cá. Também tem, mas isso vai acabar”. A menção a política levou o público aos primeiros aplausos da manhã, que então não pararam mais.


Estimulado pelas palmas, Nicolas levantou cartazes relacionados às ultimas manifestações. “Para o poema o vinagre é um milagre”, “A poesia pede passagem grátis”, “O Brasil acordou e o poema concordou” e “O poema lido jamais será vencido” era o que diziam alguns deles. A partir de então, as leituras de poemas, as piadas de atravessado que fizeram uns com os outros e os comentários ácidos receberam intensa resposta do público, em formato de aplausos e risos. “Teremos de ser abatidos a tiro. Só saímos deste palco na semana que vem”, brincou o mediador. “Imagina! Uma oportunidade dessas a gente não pode perder.”


Sobrou até para as perguntas que chegavam do público, que, antes de serem respondidas, ganhavam uma alfinetada. Nicolas falou de uma espinafrada que levou de Carlos Drummond de Andrade, quando, aos 22 anos, telefonou para o mineiro e lhe mostrou algumas paródias que havia feito de poemas seus. “Perguntei ‘O que o senhor acha, senhor Carlos?’, aí veio aquele cruzado de esquerda que agradeço até hoje: ‘Cuida da tua poesia e deixa a minha em paz’”. Zuca discorreu sobre o Professor Fumegas, que aparece em muitas de suas obras. “O Professor Fumegas sou e não sou eu.”


Por fim, pediu-se que cada um falasse de seus maus hábitos. Nicolas disse ser marqueteiro, o que não é bem-visto no meio literário; Zuca definiu a diferença entre um copista e um colador, na escola: o copista, que só reproduz o que lê na prova do colega do CDF e é pego pelo professor; o colador, segundo ele, é um criador, um artista, que precisa transformar o trabalho do CDF, caprichar para não ser pego. “Eu sou um grande colador, eu confesso.”

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