O que é ficção, o que é real nos romances



“Anders c’est moi”, brincou o escritor norte-americano Tobias Wolff no início da mesa Ficção e confissão, realizada na tarde desta sexta-feira com o escritor mexicano Juan Pablo Villalobos e com mediação do jornalista Ángel Gurría-Quintana. Parafraseando uma das mais conhecidas frases do francês Gustave Flaubert, que com ela indicava certa identificação sua com Madame Bovary, protagonista do romance homônimo, Wolff referia-se a personagem do conto Uma bala no cérebro, cujo trecho final leu para o público: um crítico literário que leva um tiro na cabeça durante um assalto por cair na risada ao ouvir os ladrões repetirem, durante o roubo, clichês da televisão, tais como “mãos ao alto”. A situação, disse, não é confessional, no sentido de que não se passou obviamente com ele, mas guarda certa relação com a vida do escritor: a história de um assalto nesses moldes lhe foi contada por um amigo, e Anders seria o próprio Wolff, segundo ele mesmo imaginou, nessa situação. “Escritores podem ficar tão envolvidos com o mundo das letras que chegam a perder a noção da realidade.”

A recriação a partir da memória, as mentiras como reelaboração da realidade, para torná-la mais significativa, e a ficção como processo para se chegar a alguma verdade, foram temas debatidos pelos dois autores, cujas obras são perpassadas pela dúvida entre o ficcional e o confessional. Além de “mestre do conto”, como definiu Ángel, Wolff publicou dois livros de memória, O despertar de um homem e No exército do faraó: Memórias de uma guerra perdida, e um romance que pincela elementos biográficos, Meus dias de escritor.

Vilallobos, que em seu primeiro romance, Festa no covil, não inclui experiência suas, situou seu segundo romance, Se vivêssemos em um lugar normal, a ser lançado em setembro no Brasil, na cidade em que ele próprio cresceu, Lagos de Moreno, e criou um protagonista com a mesma idade que a sua no ano em que a narrativa se passa e também o segundo filho de uma família. “Era coincidência... Tudo coincidência”, brincou, ressaltando que esses detalhes eram mais piadas internas que algum tipo de pista para o romance.

O mexicano chamou atenção, no entanto, para a ficcionalização das próprias experiências que sempre esteve presente em sua vida. Contou, por exemplo, que seu irmão mais novo dizia, aos três anos de idade, que tinha outra família, fantasiando sobre seus outros pais, seus outros irmãos, sua outra casa; disse também que, quando criança, ele e seus amigos mentiam sobre acontecimentos de suas vidas para se divertir, viver sua realidade de um jeito mais atrativo, emocionante. “Este foi o primeiro impulso que ligou minha experiência pessoal com a ficção”, disse.

No quesito das mentiras reais como um passo para a literatura, Wolff assumiu ter forjado cartas de recomendações e um boletim escolar para ser aceito em um colégio melhor que seu anterior, escrevendo em nome de treinadores de times em que nunca jogou, assinando o nome de professores que na verdade o haviam reprovado. “O primeiro personagem de ficção que criei na minha vida era esse, então, Tobias Wolff, excelente atleta e aluno exemplar, adorado por todos. Acho que estava testando a escrita do romance naquela época.”

Não faltou a pergunta que sempre é dirigida aos mestres: qual seu conselho para quem está começando. Wolff recomendou paciência e treino; Villalobos, por sua vez, vê a leitura, o conhecimento da longa tradição literária, como principal ferramenta para a escrita. “Quando se fala da relação entre experiência de vida e literatura, não entendo muito”, disse, referindo-se ao tema da própria conversa. “Para mim, a experiência de vida mais importante é a leitura”, completou, de certa forma confirmando que os escritores envolvem-se profundamente com o mundo das letras.

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