Mudanças de regras ameaçam direitos de migrantes na Itália, dizem relatores especiaispor ONU Brasil |
O aperto nas regras de migração proposto pela Itália terá um sério impacto sobre a vida dos migrantes e é motivo de grande preocupação, afirmaram nesta quarta-feira (21) especialistas em direitos humanos da ONU, instando o governo a reverter o rumo.
“A abolição do status de proteção humanitária, a exclusão dos solicitantes de refúgio do acesso a centros de acolhimento com foco na inclusão social e a duração prolongada da detenção em centros de retorno prejudicam fundamentalmente os princípios internacionais de direitos humanos e certamente levarão a violações da lei internacional de direitos humanos”, disseram os especialistas independentes.
Em 7 de novembro, o Senado italiano converteu em lei o decreto sobre migração e segurança, que deve ser aprovado ainda este mês pela Câmara dos Deputados. Desde que chegou ao poder, em junho deste ano, o novo governo italiano implementou uma série de medidas anti-migração.
“Remover medidas de proteção para possivelmente milhares de migrantes e limitar sua capacidade de regularizar sua permanência na Itália irá aumentar a vulnerabilidade deles a ataques e exploração. Eles estarão mais vulneráveis a traficantes e outras organizações criminosas e muitos não terão meios de cumprir suas necessidades básicas através de meios legais.”
“A exclusão também leva a tensões sociais e mais insegurança. Uma abordagem inclusiva, logo, iria beneficiar não só os migrantes, mas também o povo italiano”, acrescentaram os relatores da ONU.
Embora tenham reconhecido os desafios que a Itália enfrenta por conta da falta de um sistema eficaz de solidariedade em toda a Europa, os especialistas das Nações Unidas afirmaram que isso não justifica violações de direitos humanos.
“O governo deve aderir aos valores da Constituição italiana e aos compromissos internacionais que o país assinou”, disseram, pedindo que o governo reconsidere as mudanças legislativas.
O decreto foi feito em meio a um clima de ódio e discriminação na Itália, tanto contra migrantes e outras minorias quanto contra a sociedade civil e indivíduos que defendem os direitos dos migrantes.
“Durante a maior parte da campanha eleitoral recente, alguns políticos abasteceram um discurso público abraçando desavergonhadamente retóricas racistas e xenofóbicas anti-imigrantes e anti-estrangeiros. Tal discurso incita ódio e discriminação”, disseram os especialistas.
Eles destacaram que este clima de intolerância não pode ser separado do agravamento na Itália de casos de ódio contra grupos e indivíduos, incluindo crianças, com base em suas etnias, raças ou situações de imigração.
Pessoas de ascendência africana ou do povo roma (ciganos) foram especialmente afetadas. Durante e após a campanha eleitoral deste ano, organizações da sociedade civil registraram 169 incidentes com motivações raciais, 126 deles envolvendo discursos e propagandas de ódio racistas, incluindo manifestações públicas. Dezenove casos foram ataques violentos com motivações raciais.
“Também estamos preocupados com as contínuas campanhas de difamação contra organizações da sociedade civil envolvidas em operações de busca e resgate no Mar Mediterrâneo, assim como a criminalização do trabalho de defensores dos direitos humanos, que se tornou mais ampla na Itália”, destacaram os especialistas.
O governo italiano, junto a outros, tornou quase impossível que embarcações de organizações não governamentais resgatassem migrantes no Mar Mediterrâneo, disseram. Isso fez com que mais migrantes se afogassem ou desaparecessem. “Salvar vidas não é um crime. Proteger a dignidade humana não é um crime. Atos de solidariedade e humanidade não deveriam ser perseguidos”, afirmaram.
O grupo de especialistas da ONU pediu para o governo italiano combater incitações ao ódio e discriminação, racismo e xenofobia. “Autores de crimes de ódio devem ser responsabilizados e justiça deve ser feita às vítimas. Autoridades italianas devem implementar o panorama legal nacional e relevante na Europa e fornecer as respostas necessárias para crimes de ódio e uso de discursos de ódio”.
Os especialistas contataram o governo sobre as preocupações e aguardam uma resposta.
O grupo de especialistas é formado por Agnes Callamard, relatora especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias; David Kane, relator especial sobre a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão; Clément Nyaletsossi Voule, relator especial sobre os direitos à liberdade de assembleia pacífica e de associação.
Outros relatores incluem Michel Forst, relator especial sobre a situação de defensores dos direitos humanos; Felipe Gonzáles Morales, relator especial sobre os direitos humanos de migrantes; Fernand De Varennes, relator especial sobre questões de minorias; E. Tendayi Achiume, relatora especial sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerâncias relacionadas; Maud de Boer-Buquicchio, relatora especial sobre a venda e exploração sexual de crianças, incluindo prostituição infantil, pornografia infantil e outros materiais de abusos sexuais infantis.
O documento também é assinado por Urmila Bhoola, relatora especial sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerâncias relacionadas; Maria Grazia Giammarinaro, relatora especial sobre tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças; Nils Melzer, relator especial sobre tortura e outros tratamentos ou punições cruéis, desumanos ou degradantes; Michal Balcerzak, presidente do Grupo de Trabalho de Especialistas sobre Pessoas de Descendência Africana; Obiora C. Okafor, especialista independente sobre direitos humanos e solidariedade internacional.
Comentários
Postar um comentário