Entre ancestrais humanos, mulher viajava e homem ficava em casa
Análise de fóssil de dentes de hominídeos mostra que fêmeas deixavam seus grupos para constituir família em outros lugares


No mundo do Homo sapiens coube ao homem explorar: seus arredores, outras cidades, até descobrir novos países, enquanto a mulher ficava em casa. Mas há dois milhões de anos, nos grupos de hominídeos ancestrais dos ser humano moderno, os papéis eram reversos: eram as mulheres que viajam para iniciar novas famílias, de acordo com um novo estudo de fósseis de dentes encontrados na África do Sul.
O achado, publicado na edição desta semana do periódico Nature, indica que as fêmeas de duas espécies de hominídeos devem ter deixado suas famílias e ido a outros lugares, provavelmente para evitar cruzamentos consangüíneos, disseram os pesquisadores.
O mesmo fenômeno acontece com os chimpanzés, o parente mais próximo do homem. Já com outros primatas e a maioria dos mamíferos, são os machos que saem de casa.
Os cientistas estudaram 19 dentes, oito de Australopithecus africanus, (espécie considerada ancestral direto do homem, que viveu há 2,2 milhões de anos) e onze de Paranthropus robustus (uma espécie de 1,8 milhões de anos que não tem descendentes atuais, uma espécie de tio pré-histórico do homem).
A equipe, liderada pela paleoantropóloga Sandi Copeland, da Universidade do Colorado, procurava pelo metal estrôncio nos dentes, porque ele varia de acordo com a paisagem onde o indíviduo tenha vivido – a ideia era verificar se aqueles hominídeos haviam viajado durante suas vidas. A pesquisa não conseguiu comprovar a hipótese, mas apresentou outro dado curioso: os dentes maiores, presumidamente de machos, não apresentaram variação do estrôncio, enquanto mais da metade dos menores (femininos) eram de indivíduos que haviam crescido em outro lugar.
Sandi afirmou que a inversão de papéis denota o início de um senso de comunidade entre os hominídeos, que tem clara vantagens evolutivas, e que continua até os dias de hoje.

Em animais menos evoluídos, faz sentido do ponto de vista evolutivo para o macho explorar novos ambientes, fecundar o maior número de fêmeas possível e com isso demonstrar poder. Mas o fato das fêmeas deixarem o grupo pode significar que os machos desta comunidade se uniram e estão cooperando entre si, para melhorar a defesa comum. Neste caso, faz sentido os homens se estabelecerem e as fêmeas se dispersarem, explicou Sandi. “Tem que haver algum benefício evolucionário nessa dispersão feminina,” afirmou.
Mas alguns pesquisadores acreditam que a amostra de dentes estudada seja pequena demais para extrair esse tipo de conclusão. O arqueólogo da Universidade de Oxford Michael Petraglia, que não participou do estudo, chamou os resultados de intrigantes: “Eles mostram que nossos ancestrais tinham relações sociais e padrões de acasalamento mais próximos dos nossos que os dos gorilas”. Mas ele ressaltou que a pesquisa pode estar tirando conclusões demais de um pequeno número de dentes em um período muito grande de tempo.
O coautor do estudo Darryl de Ruiter, da Universidade do Texas A&M, justificou o tamanho da amostra explicando que o processo de exames destruía partes dos fósseis, e portanto eles apenas usaram os dentes maiores e menores entre os disponíveis.

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