Rudolf Brazda, último triângulo rosa, é homenageado pelo governo francês

A cerimônia foi realizada na Igreja Saint-Roch, em Paris, na França, no dia 28 de setembro. Estiveram presentes, além de familiares e amigos, políticos, diplomatas e representantes da causa homossexual.

O coautor do livro Triângulo rosa - Um homossexual no campo de concentração nazista (Mescla Editorial), Rudolf Brazda, que faleceu em 3 de agosto de 2011, aos 98 anos, foi homenageado pela Secretaria de Estado da Defesa e de Ex-Combatentes, órgão ligado ao Ministério da Defesa da França. A cerimônia de recordação, que foi organizada pela Associação Civil Homossexual de Devoir de Mémoire [Dever da Memória], aconteceu no dia 28 de setembro, na Igreja Saint-Roch, em Paris, na França. Estiveram presentes, além de familiares e amigos, políticos, diplomatas e representantes da causa homossexual.

Rudolf faleceu em Bantzenheim, na Alsace, França. A cerimônia fúnebre aconteceu no dia 8 de agosto de 2011, no Centro Funerário de Mulhouse. De acordo com sua vontade, ele foi cremado e suas cinzas espalhadas sobre o túmulo de seu companheiro de vida, Édouard Mayer (Edi), no Cemitério central de Mulhouse. Quatro meses antes de morrer, ele havia recebido a medalha da Ordem Nacional da Legião de Honra, mais alta condecoração da França. A distinção foi entregue por Marie-José de Chombart Lauwe, sobrevivente de Ravensbrück e presidente da Fundação para a memória da deportação.

Morador de Mulhouse desde 1945, Rudolf decidiu sair do anonimato apenas em 2008, aos 95 anos. Após a inauguração de um monumento às vítimas homossexuais do nazismo em Berlim, na Alemanha, pôs fim a longos anos de silêncio. Surgia, então, aos olhos do mundo, o último sobrevivente conhecido dos quase dez mil homossexuais que estiveram nos campos de concentração nazista.

Identificados como "triângulos-rosa", milhares de gays foram caçados pelo regime de Hitler, embora até pouco tempo se negasse essa perseguição sistemática. Com a matrícula 7952, Rudolf ficou preso em Buchenwald de 1942 a 1945. No livro, Jean-Luc Schwab, pesquisador e militante dos direitos dos homossexuais, conta em detalhe essa história. Sustentado por um rigoroso trabalho de pesquisa, ele reconstrói a vida de Rudolf, que se abre num depoimento marcado pela dor e pela esperança de quem sobreviveu aos horrores do nazismo.

A vida de Rudolf seguia seu curso agitada ao sabor dos imprevistos históricos e políticos de uma Europa em plena transformação. Nascido de pais tchecos no vilarejo de Brossen, perto Leipzig, na Alemanha, tinha apenas 20 anos quando os nazistas tomaram o poder. Definida a sua orientação sexual, ele viveu tranquilo nos primeiros anos de 1930. Em 1935, no entanto, o novo regime endureceu a lesgislação contra os homossexuais, reforçando os termos do parágrafo 175 do código penal. Começava, assim, o cadastramento de gays na Central do Reich. O objetivo: reprimir a homossexualidade. De acordo com as estimativas da época, em torno de cem mil pessoas foram fichadas, entre elas Rudolf e seus amigos.

Com a ascensão do nazismo, o período de relativa tolerância para com os homossexuais chegou ao fim. As investigações se multiplicavam para encontrar conhecidos ou presumidos. Rapidamente chegaram a Rudolf, que foi preso em 1937 sob a acusação de "luxúria antinatural". Depois de seis meses de detenção, acabou expulso do território alemão e decidiu ir para a Tchecoslováquia - que, do ponto de vista do direito, ainda era a sua pátria. Em Karlsbad, Rudolf esperava retomar a vida. Porém, em 1938, o regime de Hitler atravessou o seu caminho mais uma vez. Com a anexação da província dos Sudetos - onde fica Karlsbad -pelos nazistas, as leis alemãs passaram a ser aplicadas com rigor. Em pouco tempo, Rudolf foi preso novamente e condenado a 14 meses de prisão.

A pena foi cumprida integralmente, mas Rudolf não chegou a ser libertado. No auge do regime de Hitler, os campos de concentração se propagaram para abrigar prisioneiros de guerra, comunistas, social-democratas, judeus, testemunhas de jeová, ciganos e... homossexuais. Em 8 de agosto de 1942, ele foi mandado para Buchenwald. Durante três anos, num lento processo de desumanização, viveu e presenciou todo tipo de atrocidade. Certa vez, escondido sob o telhado, deitado de bruços sob o forro, ele e Fernand, um companheiro de prisão, presenciaram a execução de soldados soviéticos. "Acabamos nos habituando à ideia de morrer a qualquer instante. Não tínhamos medo de morrer e, se fôssemos pegos, poderia ter sido fatal. Ver gente morrendo nos deixava quase indiferentes, pois isso era constante no cotidiano. Hoje, choro toda vez que me lembro desses instantes terríveis, mas na época eu endureci para sobreviver... como os outros".

A história de Rudolf Brazda é única sob vários aspectos. Além de constituir a face de uma verdade pouco documentada - a deportação por homossexualidade -, conta a vida de um grande otimista, cujo otimismo permaneceu intacto. "Suas várias gargalhadas e seu entusiasmo indefectível não podem ser separados de sua surpreendente longevidade. Uma distância e tanto das agruras do passado", afirma o biógrafo Jean-Luc Schwab.

Para recompor a trajetória de Rudolf da maneira o mais exata possível, Schwab recorreu a várias centenas de horas de entrevistas com diferentes fontes. Também buscou auxílio nos documentos de época ainda sob a posse de Rudolf, no testemunho de pessoas que conviveram com ele ou com seus conhecidos e nas numerosas pesquisas pessoais em arquivos alemães, tchecos e franceses. A esse material, ele acrescentou diversas viagens aos antigos lugares ligados à vida e ao confinamento do biografado, entre as quais duas em companhia dele, em março e novembro de 2009.

"Trajetória atípica a de Rudolf, iniciada na Alemanha, passando pela Tchecoslováquia, depois pelo campo de concentração de Buchenwald, para enfim terminar na França. Em seu caminho, encontros com pessoas cuja vida mal se conhece, mas não menos marcantes. Para muitos, o percurso de Rudolf resultou da repressão de sua sexualidade pelos nazistas. Mas isso não o impediu de ter vida plena, com vários amigos e camaradas", comenta Schwab. Alguns anos depois da libertação, em 1950, ele conheceu Edi, seu companheiro por quase meio século, que morreu em 2003, aos 73 anos. Rudolf, fiel até o fim, estava ao lado dele.

Quando lhe perguntam como vê a vida, do alto dos seus 97 anos, Rudolf declara com prazer: "Atingi uma idade avançada e vivi mais tempo do que meus irmãos e irmãs, assim como mais do que meus amigos e companheiros de deportação. Passei quase 50 anos com meu querido Edi e hoje ainda consigo sempre satisfazer as minhas vontades sozinhos: faço a comida, as compras, lavo a roupa e arrumo a casa. Se Deus existe, ele foi particularmente bom comigo, porque tive uma vida feliz e plena. E, se eu tivesse de refazer tudo, não mudaria nada, nem mesmo Buchenwald".

Autores

Rudolf Brazda, nascido na Alemanha em 1913 de pais tchecos, foi condenado duas vezes pelo regime nazista por ser homossexual e depois deportado para Buchenwald. Ele ficou preso no campo durante 32 meses, até sua libertação, ocorrida em 11 de abril de 1945, e fixou residência na França.

Jean-Luc Schwab, quando entrou em 2008 para uma associação dedicada ao reconhecimento da deportação de homossexuais, nem imaginava que o último sobrevivente dessas deportações mora bem perto dele, na região de Mulhouse (França). Assumindo o papel de confidente de Rudolf Brazda, ele tomou seu depoimento e o complementou com profunda pesquisa histórica.

Título: Triângulo rosa - Um homossexual no campo de concentração nazista
Autores: Jean-Luc Schwab e Rudolf Brazda
Tradução: Angela Cristina Salgueiro Marques
Editora: Mescla Editorial
Preço: R$ 48,90
Páginas: 184
ISBN: 978-85-88641-13-6
Atendimento ao consumidor: 11-3865-9890
Site: www.mescla.com.br

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