A Conferência deficiente

Por Andrei Bastos
Inclusive - megafone, símbolo de denúncia social.
Por Andrei Bastos *
Seria cômico se não fosse trágico. Quando vi figuras importantes da República dos Deficientes comemorando tolamente felizes, aos risos e tapinhas nas costas, com a mais importante delas até subindo numa cadeira em tentativa de demonstrar autoridade ao ser acusada de golpista, fiquei entre a vergonha alheia e a gargalhada.
Tal cena constrangedora aconteceu quando eram discutidas propostas do grupo de educação da 3ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência. A turma que a protagonizou, que entrou sorrateira e em bloco num determinado momento do dia no plenário, tinha o objetivo claro de votar contra a educação inclusiva.
Mas como é possível pessoas com deficiência serem contra a inclusão pela educação? Ora, isso é o mesmo que perguntar por que negros escravizaram negros, vendendo-os a peso de ouro para os regimes escravagistas, como fez Zé Alfaiate, que depois de comprar sua carta de alforria se tornou o maior traficante de escravos para o Brasil no final do século XVIII.
Por falar em século XVIII, foi logo depois dele, em 1880, que ocorreu o maior retrocesso da história da deficiência no Congresso de Milão, conferência internacional de educadores de surdos, que decidiu excluir a língua de sinais e adotar o oralismo, literalmente amarrando as mãos dos surdos às costas – o que valeu por cem anos.
Pois agora, no século XXI, parece que os “escravagistas” de plantão da 3ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência querem a todo custo superar as marcas de inumanidade e retrocesso relatadas acima e defendem com unhas, dentes e astúcia suas trincheiras de poder político e financeiro. Afinal, tal como Zé Alfaiate, eles procuram manter seus bolsos bem forrados.
E nada pior para assombrar as noites dos “escravagistas” reviventes do que a ameaça de furos nos seus bolsos apresentada pela educação inclusiva – ampla, geral e irrestrita –, especialmente se adotada como política pública federal, de alcance nacional efetivo viabilizado por recursos públicos compatíveis. Com a inversão da equação em que a regra é a ausência de crianças com deficiência nas escolas comuns para a regra da presença maciça dessas crianças em tais escolas, logo estarão extintos os guetos excludentes, segregadores, e altamente lucrativos, que perversamente negam à maioria de tais crianças seu direito ao pleno desenvolvimento cognitivo.
Uma conferência nacional deveria tratar dos aspectos mais amplos e gerais da questão da deficiência e não de situações particulares e de exceção, como são os casos de crianças com deficiência que real e completamente dependem do ensino especial. Tentar transformar em regra geral procedimento cabível apenas em casos excepcionais é defender interesses particulares e inconfessáveis com impudência.
Cabe agora ao Executivo e ao Legislativo a tarefa de reverter este surto de retrocesso, até por inconstitucional, promovido por quem mais deveria querer avançar, mas que, infelizmente, foi manobrado pela manha dos “escravagistas” de plantão contra a inclusão.
* Jornalista.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Prefeito de Cruzeiro do Sul destaca importância das parcerias com o governo para o povo do município

Fundhacre realiza rodas de conversa sobre segurança do paciente