Antropólogo fala sobre defesa da Amazônia colombiana e proteção de povos indígenas

por ONU Brasil
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Das 7 mil línguas faladas em todo o mundo, 4 mil são línguas indígenas, das quais quase 3 mil estão em perigo de desaparecer, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). O Dia Internacional dos Povos Indígenas, celebrado em 9 de agosto — e que este ano coincidiu com o Ano Internacional das Línguas Indígenas — chamou a atenção para esse dado preocupante.
O número de povos indígenas em todo mundo tem diminuído, o que põe em risco um conjunto único de conhecimentos e compreensão da biodiversidade, cultura e tradição. A estimativa é de que, quando o explorador espanhol Francisco de Orellana chegou à região amazônica, em 1542, houvesse entre 8 milhões e 10 milhões de habitantes. Hoje, há aproximadamente 1 milhão de indígenas na região, compreendendo 400 grupos que falam 300 idiomas.
Uma das iniciativas que contribuem para proteger os direitos das comunidades indígenas, fortalecer suas estruturas de governança e conservar suas tradições ancestrais é o programa Paisagens Sustentáveis da Amazônia (ASL), financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF em inglês) e liderado pelo Banco Mundial.
Também é importante destacar o trabalho de especialistas como Martin von Hildebrand, o fundador e presidente da organização não governamental (ONG) Gaia Amazonas. O antropólogo dedicou a vida à defesa e à promoção dos direitos territoriais, e da conservação cultural e biológica na Amazônia colombiana.
Seu trabalho com os povos indígenas tem sido reconhecido com muitas premiações, incluindo o “Right Livelihood Award” (conhecido como o Prêmio Nobel Alternativo na Suécia), o “Prêmio Nacional Ambiental” (Colômbia), a “Order of the Golden Ark” (Holanda), o “Social Entrepreneur Award”, da Fundação Skoll (EUA), e o “Tallberg Global Leadership Award”, da Fundação Tallberg (Suécia).
Martin compartilhou com o Banco Mundial sua compreensão das ligações entre as línguas indígenas e a conservação, com foco na Amazônia, uma das regiões mais biológica e culturalmente diversas do mundo.
Banco Mundial: Quando e por que você começou a trabalhar com os povos indígenas?
Martin von Hildebrand: Comecei em 1972, quando fui para a Amazônia colombiana e viajei por seis meses em uma canoa. As pessoas falavam línguas que eu não entendia, mas nós nos comunicávamos por meio de sorrisos. Durante essa viagem, vi como as culturas indígenas estavam sendo destruídas pela invasão de uma visão de mundo ocidental e eu decidi fazer algo a respeito. Com os anciãos, trocamos mitos de origem, falando de heróis, deuses, vida e natureza, o que me permitiu acessar e começar a entender sua cosmologia e suas práticas tradicionais para salvaguardar o meio ambiente.
Meu plano original era ficar um par de anos, mas 45 anos depois ainda estou aqui. Pude me relacionar com eles, ganhar a sua confiança e depois me tornei mais político e iniciei a minha luta pelo reconhecimento dos territórios coletivos indígenas — resguardos — e dos direitos indígenas (incluindo os relacionados à proteção das suas línguas). Atualmente, os povos indígenas na Amazônia colombiana têm um território do tamanho do Reino Unido e os seus direitos são protegidos pela Constituição. Talvez a maior conquista seja que eles recuperaram a sua dignidade e entenderam que o mundo ocidental não é superior, que a sua cultura é igualmente válida. Agora, devemos ir além de simplesmente reconhecer os seus direitos e trabalhar de mãos dadas com eles, em termos iguais, para proteger a floresta pluvial.
Banco Mundial: Como você correlaciona as línguas e o conhecimento indígena à biodiversidade?
Martin von Hildebrand: Na visão de mundo dos povos indígenas, a crença fundamental é que humanos, animais, plantas, terra e rios equilibram-se uns aos outros como partes integrais da vida. Essa compreensão holística do mundo é expressa e mantida viva por meio de suas línguas, rituais e mitologia. Sua língua é parte de sua identidade e é o espírito de suas culturas. Por meio delas, vêm não só o seu conhecimento, mas a sua forma íntima de compreender a natureza e como os seres humanos se relacionam com ela.
A maneira predominante atual de compreender a natureza e como conservá-la por povos não indígenas é incompleta porque se baseia em seres humanos que percebem plantas e animais como os objetos e não os sujeitos do sistema inteiro. Isso não captura a intuição, o sentimento profundo e a compreensão de como as pessoas se relacionam com o nosso ambiente como um todo.
Os povos indígenas têm esse profundo entendimento e isso fortalece a sua conexão com a terra, a floresta, os rios, etc. É uma maneira de compreender e viver em um fluxo harmônico com a natureza. Essa visão de mundo os tornou resilientes, e o uso e a gestão dos recursos naturais de forma sustentável os ajudaram a sobreviver à dominação e à destruição. Felizmente, estamos começando a entender a partir dessa visão de mundo que a natureza é um sistema integrado e se quisermos sobreviver, o ecossistema todo deve sobreviver.
Perceber a nossa dependência da natureza para sobreviver despertou a ideia de que transformar a natureza de um objeto sem direitos para um sujeito com o direito de existir e florescer. Alguns de nós tivemos a sorte de aprender e de ser inspirados pelos povos indígenas e pela maneira como eles entendem e expressam seu mundo por meio da linguagem.
Banco Mundial: Quais são as estratégias mais bem-sucedidas para apoiar a sobrevivência dos povos indígenas, particularmente na Amazônia?
Martin von Hildebrand: No caso da Colômbia, 55% da Amazônia pertence aos povos indígenas. E com a sua compreensão sistêmica e holística da floresta, eles estão cuidando dela. Ao norte do Rio Amazonas, por exemplo, você encontra a maior floresta contínua do mundo, conservada em grande parte como áreas protegidas e territórios dos povos indígenas. O envolvimento dos jovens tem sido fundamental. Uma estratégia recente tem sido ajudar os jovens líderes indígenas masculinos e femininos a pesquisar e sistematizar o conhecimento da sua cultura, linguagem e rituais de seus anciãos para que eles possam ser passados para as gerações futuras. Este processo também tem incutido neles um senso de orgulho de sua cultura e suas línguas.
Uma estratégia diferente relaciona-se ao que o finado historiador cultural e o franco defensor ambiental Thomas Berry explicou: "O universo não é uma coleção de objetos, mas uma comunidade de sujeitos." A existência é derivada de e sustentada por uma relação de cada ser com cada outro ser. Isso significa que árvores, plantas, animais e água são uma manifestação do universo e, nesse sentido, nós somos todos uma comunidade que precisa viver junta e em equilíbrio. O que recebemos da natureza precisamos devolver à natureza. Em conformidade com essa noção, na Colômbia, têm sido feitos progressos significativos para reconhecer áreas específicas de alta biodiversidade, como a região amazônica, como um sujeito com direitos e isso, por sua vez, levou a ações políticas positivas. Exemplos do Equador e da Bolívia são ainda mais fortes: o Equador foi o primeiro país a incluir os direitos da natureza na sua Constituição, e, em 2010, a Bolívia instituiu a histórica Lei da Mãe Terra.
A estratégia-chave para proteger a Amazônia relaciona-se com sua conectividade e é isso que os povos indígenas compreendem profundamente. A Amazônia é um ecossistema conectado entre plantas, animais, água e humanos, cujo fluxo é necessário para sua sobrevivência. A Amazônia é um órgão-chave em todo o sistema planetário. A água que flui pelos rios transforma-se em rios voadores (grandes quantidades de vapor de água transportadas pela atmosfera da Amazônia para outras partes da América do Sul e até o centro-oeste dos Estados Unidos) e mantém o clima regulado como parte de um sistema.
A conectividade na Amazônia não é apenas biológica, mas também cultural. Esforços estão sendo feitos para conectar áreas protegidas, incluindo territórios indígenas, mas as organizações, a sociedade civil e os governos precisam cooperar e atuar conjuntamente sobre essa ideia de conservar e restaurar a conectividade. Aprender o que os povos indígenas têm praticado ao longo dos anos pode ajudar a transformar paradigmas de desenvolvimento. Respeitar os valores, pensamentos e conhecimento indígenas e reconhecer sua visão holística pode ajudar a proteger a região amazônica.

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