Oito anos é tempo demais

É louvável a decisão do governo federal de editar uma Medida Provisória estabelecendo que toda criança brasileira tem de estar alfabetizada até os oito anos. Claro que é muito fácil atacá-la, dizendo que se trata apenas de uma nova lei para uma antiga obrigação que toda escola de Ensino Fundamental já tinha em relação a seus alunos. Mas a Medida tem o mérito de olhar de frente para o fato de que a obrigação não estava sendo cumprida e buscar uma solução por meio de apoio técnico e financeiro aos estados e municípios.

Porém, o governo federal precisa saber que, caso deseje dar a todos os brasileiros condições de estudar, aprender e se desenvolver, oito anos talvez seja tarde demais para intervir. Quem não consegue aprender a ler e escrever até essa idade, muito provavelmente já traz um longo histórico de desvantagens, cuja alfabetização tardia é apenas o sintoma final.
Desde a concepção da criança, ela já está, de alguma maneira, aprendendo. O nascimento em si, saindo do ventre para a luz, pode-se dizer que já é uma experiência de aprendizado. Sabemos que a grande maioria das crianças brasileiras de 0 a 3 anos está em casa (22% é a média do Brasil de crianças que estão em creches – portanto, aproximadamente 78% estão em casa). E é em casa onde ocorrem os primeiros e os mais importantes aprendizados para a vida.
A Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV) realizou, recentemente, uma pesquisa em parceria com o Instituto Paulo Montenegro que mostra que a população brasileira compreende bem a importância dos cuidados com a saúde durante a gestação e os primeiros anos de vida do bebê, porém desconhece, quase por completo, os conceitos relativos ao desenvolvimento emocional, cognitivo e social.
Temos um trabalho importante de sensibilização e informação a fazer junto à sociedade brasileira para construir as bases dessas crianças durante a Primeiríssima Infância (0 a 3 anos). Temos de atuar junto às famílias das crianças que estão em casa, assim como com os profissionais e gestores públicos responsáveis pelas crianças nas creches que brotam Brasil afora.
Precisamos de pessoas capacitadas e creches de qualidade para cuidar de nossas crianças. Creches não devem ser somente “uma saída” para os pais que buscam trabalho. Creches são locais para o desenvolvimento das crianças por meio do estímulo, da brincadeira e de muito cuidado, que se somarão ao cuidado que já recebem em suas casas.  As pesquisas em diversos campos da ciência, educação, psicologia, neurociência e economia já provaram que o investimento na Primeira Infância é o que gera melhores resultados para o país.
Já está definido que, até 2016, as crianças de 4 a 6 anos terão de estar nas escolas. Essa é uma fase também muito importante da Primeira Infância. Para que tenhamos crianças alfabetizadas com 8 anos, como é o desejo não só do governo federal mas de todos nós, temos de prepará-las também na pré-escola.  
Atualmente, já temos aproximadamente 80% das crianças na pré-escola, e acreditamos que a meta dos 100% (ou perto disso) será alcançada. A pergunta que fica é: teremos uma pré-escola de qualidade? O governo federal, os governos estaduais e municipais, assim como a sociedade, podem, antes de responder a esta pergunta, trabalhar muito para que a reposta seja uma só: sim. O retrabalho é caro e estamos vendo isso com nossos alunos dos ensinos Fundamental e Médio. Uma criança que esteve em uma creche e uma pré-escola de baixa qualidade será uma criança que já começa uma “caminhada com um dos pés (quando não os dois) amarrado”.
Temos que investir em todas as idades do desenvolvimento de uma criança. Mas, como sempre diz um bom amigo nosso: “A Primeira Infância vem primeiro”.

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