Nesse ano de 2020, época em que vivenciamos a tragédia da pandemia pela Covid-19 imbricada a um quadro de profunda precarização das condições de trabalho, de vida, de saúde e bem estar da classe trabalhadora, queremos relembrar a origem desta data, para que ela nos inspire a continuarmos na luta por um modelo de produção que respeite a vida e a saúde, que garanta trabalho digno para todos e todas e que proteja o ambiente.
Lembremos que a data comemorativa do 1º de maio foi instituída em memória de um grupo de trabalhadores de Chicago (EUA) que em 1886 foi às ruas da cidade para reivindicar melhores condições de trabalho. Naquele momento histórico, um dos principais pontos de reivindicação era a redução da jornada de trabalho de 13 para 8 horas diárias. Houve muita repressão ao movimento, com prisões, agressões físicas e mortes de trabalhadores nos confrontos com a polícia. Lembremo-nos, ainda, que a conquista de direitos sociais só foi possível pelas lutas políticas da classe trabalhadora, num processo permanente de disputa na sociedade, através de seus sindicatos e movimentos sociais ao longo dos tempos, particularmente a partir do século XX.
A chegada da pandemia do coronavírus descortinou a extrema desigualdade social global, muito aprofundada nos últimos anos no Brasil. Podemos dizer que se o vírus tem potencialidade para infectar pessoas de todos os grupos e classes sociais, a experiência do adoecimento pela Covid-19 de forma extremamente desigual e injusta na nossa população, afetando desproporcionalmente os trabalhadores mais pobres, negros em particular.
O mundo já contabiliza mais de 3 milhões de pessoas com a Covid-19 e mais de 200 mil mortes. O Brasil já ocupa o 10º lugar no mundo em número de casos e o número de mortes do país já ultrapassou o da China. No entanto, estudos mostram que estes números no Brasil tendem a ser bem maiores em relação ao que é divulgado oficialmente, dadas a pouca testagem realizada no país e a subnotificação.
Não sabemos, aqui no Brasil, quantos destes adoecimentos e mortes ocorrem em trabalhadores e trabalhadoras. Não sabemos quais são as ocupações mais atingidas. Afirmamos isto, tendo em vista a ausência de informações do Ministério da Saúde, a quem compete à divulgação oficial dos dados relativos à Covid-19 em âmbito nacional. É importante registrar que a ficha de notificação da Covid-19 do Ministério da Saúde especifica apenas as ocupações de trabalhadores da saúde e, mais recentemente, da segurança pública. Ainda assim, o órgão não tem divulgado informações sobre distribuição dos casos e dos óbitos confirmados segundo as ocupações registradas.
Mas sabemos também, através de publicações em diversos jornais impressos e digitais, nas páginas dos conselhos de classe, nas divulgações dos sindicatos e movimentos sociais, que trabalhadores e trabalhadoras de diversas categorias estão adoecendo e morrendo. Casos têm sido publicados referentes a empregadas domésticas, trabalhadores de indústrias, de serviços turísticos, caminhoneiros, sepultadores, motoristas, petroleiros, mineiros, jornalistas, policiais, entre outros, além dos profissionais de saúde.
Os serviços do SUS responsáveis até o momento, por garantir um tratamento sério, competente e humanitário aos usuários do sistema, começam a entrar em colapso, situação que já podemos observar em algumas capitais brasileiras.
Diante deste quadro, o principal mecanismo de prevenção da Covid-19, doença de alta transmissibilidade, grave em 20% dos casos e que demanda leitos hospitalares e de unidades de terapia intensiva, continua sendo o isolamento social, associado a medidas básicas de higiene.
Sabemos que a adesão dos trabalhadores e trabalhadoras ao isolamento social por tempo imprevisível não é fácil: 1) primeiro, porque o Brasil conta com milhões de desempregados, desalentados e trabalhadores/trabalhadoras informais, além dos muitos que, embora mantenham relações formais de emprego, se defrontam com condições cada vez mais precarizadas e sem garantia de renda mínima; 2) segundo, porque nos faltam políticas públicas efetivas que garantam o sustento e a vida dos trabalhadores e de suas famílias com decência e dignidade e, 3) porque a manutenção do isolamento social em si pode trazer problemas de saúde, particularmente, sofrimento mental, necessitando também de políticas públicas e outras iniciativas da sociedade que possam mitigar este quadro de ansiedade, angústia e medo.
Neste cenário, a participação dos trabalhadores e trabalhadoras nas decisões políticas nacionais é fundamental. É preciso que superemos a falsa dicotomia salvar vidas versus salvar a economia, evitando cair na armadilha desta narrativa. É preciso denunciar esta aberração ética e buscar formas de garantir o isolamento social da população, e proteger aqueles envolvidos em atividades realmente essenciais.
À efetiva intervenção do Estado, no âmbito do Sistema Único de Saúde, ampliando tanto a capacidade e a infraestrutura dos serviços de saúde, quanto os investimentos em ciência, tecnologia e na produção de insumos e materiais necessários para salvar vidas, deve se somar a adoção de medidas econômicas concretas de transferência de renda, como a renda básica universal, protegendo os salários e o emprego da população trabalhadora, auxiliando financeiramente as pequenas e médias empresas. Essas medidas irão garantirão o sustento das famílias e das parcelas de trabalhadores em situação de vulnerabilidade, ao mesmo tempo em que permitirão a manutenção do isolamento social pelo tempo necessário.
É possível, e absolutamente necessário, prover maciço investimento público para, ao mesmo tempo, salvar vidas e promover a atividade econômica básica por meio do consumo das famílias; assim, estaremos preparando uma saída mais rápida da crise sanitária e da crise econômica, com proteção da vida e saúde de toda a população.
A Abrasco se junta ao movimento dos trabalhadores e trabalhadoras na luta por melhores condições de vida, trabalho e bem-estar. Vamos juntos na luta por políticas públicas, incluindo a defesa do SUS, que possibilitem aos trabalhadores aderir ao fique em casa e, assim, SALVAR VIDAS!
Rio de janeiro, 1º de maio de 2020.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA – ABRASCO
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