Danielle Mitterrand falará sobre justiça social na CI 2010
O Instituto Ethos entrevista a ex-primeira-dama francesa, presidente da fundação France Libertés, que está entre os palestrantes da Conferência Internacional Ethos 2010.
A Conferência Internacional Ethos 2010, que será realizada entre 11 e 14 de maio, terá com tema a Carta da Terra. Assim, cada palestrante convidado discorrerá sobre um ponto do documento, que se norteia por quatro grandes princípios (leia em www.cartadaterrabrasil.org).
Falar sobre justiça social e econômica – o terceiro ponto da Carta – será o desafio da respeitada ativista internacional Danielle Mitterrand, ex-primeira-dama da França, que dividirá a mesa com o economista argentino Bernardo Kliksberg.
Danielle Mitterrand preside a fundação France Libertés, que tem conhecida atuação em prol de povos oprimidos, como africanos, curdos, tibetanos e indígenas latino-americanos. A France Libertés, que desde o ano passado conta com uma representação no Brasil, fundamenta seu trabalho na promoção dos direitos humanos e da equidade social. Também luta para que um maior número de pessoas tenha acesso à água potável e defende uma economia mais responsável e solidária. Veja a seguir entrevista que a palestrante concedeu ao Instituto Ethos, via e-mail.
Instituto Ethos: Qual pode ser o papel dos empresários brasileiros no sentido de ajudar a colocar em prática o terceiro ponto da Carta da Terra?
Danielle Mitterrand: A sustentabilidade e a responsabilidade social são hoje questões planetárias. O Brasil é um grande país que se tornou protagonista de um mundo globalizado e está avançando muito bem no sentido da inclusão social e do respeito aos direitos dos trabalhadores. Penso, porém, que o tema dos direitos humanos e o do incentivo a uma participação mais ampla e ativa da população no processo político ainda estão demasiado longe do ideal – o que interfere na questão da sustentabilidade. Isso não podemos aceitar, pois a maior crise que enfrentamos hoje talvez seja a crise de valores, a crise da democracia.
IE: Se a senhora tivesse que priorizar apenas um tópico do terceiro ponto da Carta da Terra para ser posto em prática, qual seria?
DM: Eu iria priorizar a garantia dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, temas que estão intimamente ligados. Em1948, quando meu marido, François Mitterrand, era ministro do presidente Charles de Gaulle, estive presente na reunião de criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que teve em meu amigo Stephane Hessel um de seus artífices. Creio que, apesar de termos avançado nessa questão nos últimos 60 anos, estamos longe de atingir um nível satisfatório de respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais. Vemos ainda trabalho semiescravo no Brasil, por exemplo, inclusive no setor da cana-de-açúcar, e envolvendo uma grande empresa francesa! Em pleno século XXI, isso é totalmente inaceitável para Brasil e França, que promovem, em nível global, a democracia e o respeito às liberdades individuais.
IE: O Brasil ainda enfrenta muitos problemas em relação à questão de gênero no mercado de trabalho. Como podemos reverter essa situação?
DM: Quero deixar claro que não sou feminista, mas uma mulher que defende a humanidade sem distinção de gênero, raça ou cor. A questão da inclusão da mulher no mercado de trabalho é fundamental, mas deve estar contemplada como parte de um processo histórico, o que demanda políticas públicas que favoreçam essa evolução.
IE: Que ações a senhora indicaria para que o Brasil aperfeiçoasse sua caminhada rumo ao desenvolvimento sustentável?
DM: Creio que o Brasil está num bom caminho, resolvendo a questão da pobreza e da desigualdade, o que é fundamental. O fortalecimento das instituições democráticas, o combate à corrupção e a luta pela transparência política também são temas de extrema importância que estão avançando, mesmo que em menor escala. Mas não acho que o governo atual esteja apontando rumos claros para o futuro de uma economia sustentável, pois permanece muito atrelado a um modelo desenvolvimentista clássico, baseado em petróleo, mineração, commodities agrícolas, grandes represas, energia nuclear.
Dizemos, aqui na França, que não devemos nos fascinar pela possibilidade de “jouer dans la cour des grands” [brincar no mesmo quintal dos grandes]. Não acho que o Brasil deva se contentar em ingressar no clube dos grandes, correndo o risco de fortalecer um modelo de desenvolvimento que já está esgotado, ou pelo menos ultrapassado. Acho, sim, que o Brasil tem que ter crescimento econômico, reduzir a pobreza e investir em infraestrutura e moradia, é claro, mas gostaria de ver mais sinais no rumo de uma economia verde, inovadora. Uma economia baseada não em uma obsessão pelo crescimento do PIB – o que não quer dizer grande coisa neste século XXI –, mas no bem-estar de todos, no acesso aos bens comuns, no uso da terra pelos pequenos agricultores e na utilização sustentável dos recursos naturais do país, de modo a garantir o futuro de nossos filhos e netos.
Por Denise Ribeiro e Mariana Desimone (Envolverde) / Edição de Benjamin S. Gonçalves (Instituto Ethos)
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