Profissionais de monitoramento e avaliação podem apoiar na redefinição de ações em momentos de crise, apontam especialistas

 POR  EM 

Não há um único setor da sociedade que não tenha sido afetado pelos impactos trazidos pela pandemia de Covid-19. Diante deste novo contexto, as áreas de monitoramento e avaliação têm se deparado com o desafio de repensar processos para que programas e projetos dialoguem com o cenário de emergência instaurado no país.

Com o intuito de fomentar trocas de experiências sobre como os investidores sociais estão lidando com a agenda de M&A no presente momento de crise, a Agenda de Avaliação do GIFE realizou mais um encontro, agora virtual, no dia 29 de abril. A atividade contou com a participação de especialistas que contribuíram com provocações e sugestões práticas para a área. 

Contribuições do profissional de monitoramento de avaliação em um plano de gestão de crise 

Fábio Risério, especialista em gestão de crise, integridade e sustentabilidade, pontuou que um bom gestor de crise é uma pessoa que toma atitudes corretamente, baseadas em informações precisas e autoconhecimento da organização. “A crise de Covid-19 tem uma peculiaridade que a difere de todas as outras crises. Ela atingiu a todos ao mesmo tempo: equipes, organizações inteiras, programas, parceiros, beneficiários, governos, empresas. No momento, temos muito mais dúvidas do que respostas. Por isso, é necessário ter muito conhecimento e certeza dos nossos valores e premissas e fazer com que eles nos guiem nesse mar de incertezas”, afirmou.

Para o especialista, outro ponto fundamental no cenário atual é o fortalecimento da empatia. Mas, para que as organizações tratem seus stakeholders com empatia e considerem suas preocupações nesse momento, é necessário que as instituições sejam empáticas consigo mesmas e considerem, em primeiro lugar, seus pontos fortes e fracos. “É a empatia que vai fazer com que possamos entender nossas vulnerabilidades e as dos outros. A sua materialização pode ser vista no plano de gestão de crises, já que é nele que a organização entende seus limites e do outro e, com o plano, faz a ponte do laço de confiança.” 

O gestor destacou brevemente seis passos da criação de um plano de gestão de crise: 1. criação de um comitê de gestão de crise; 2. avaliação do impacto da crise; 3. elaboração de um plano de contingência; 4. comunicação com a equipe; 5. comunicação com stakeholders e 6. revisão da estratégia da organização. 

Neste processo de tomadas de decisão, os profissionais de monitoramento e avaliação podem contribuir muito, tendo em vista a experiência que têm para definir processos e ações subsidiadas por informações e dados concretos. 

“Para tomar decisões corretas, é necessário que a avaliação de uma crise, por exemplo, seja muito bem feita e o mais próxima da realidade possível. Por isso, um profissional com experiência em avaliação pode ajudar a organização nessa análise de impacto. No quesito comunicação, é preciso que essa seja confiável, eficaz, transparente e traga segurança, para que a equipe confie que a avaliação realmente está mostrando o que está acontecendo com a organização durante a crise. Quem melhor para participar do processo do que um profissional que trabalha com rigor técnico, sem achismos e interferências políticas e ideológicas?”, refletiu o especialista. 

Calibrar expectativas de resultados em um contexto de crise 

Autor do artigo A avaliação nos tempos do covid, Rogério Silva, consultor e especialista em estratégia, avaliação e desenvolvimento organizacional, também participou do encontro e contribuiu ao reforçar a necessidade de uma recalibração, ou seja, revisão das expectativas de resultados a partir de um olhar atento ao portfólio de projetos, movimento que pode ser apoiado e assessorado pela equipe de M&A.

“Esse olhar à carteira de projetos a partir de alguns critérios que têm a ver com importância, aderência e capilaridade pode nos ajudar a entender o que tem mais importância e relevância nesse momento e o que tem menos”, defendeu. 

Em seu artigo, o especialista afirma que a reavaliação dos projetos e redefinição de prioridades deve ser acompanhada de ‘olhares retrospectivos e prospectivos para reconhecer as estratégias com maior capilaridade social e as iniciativas que garantam que os recursos econômicos alcancem diretamente quem mais precisa’.

Rogério pontua também a importância da colaboração do investimento social privado com outros atores da sociedade, sobretudo àqueles que constituem a linha de frente no combate às desigualdades, como o Sistema Único de Saúde (SUS), o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e as Redes Educacionais. 

As três recomendações técnicas para a área de M&A partem do mesmo princípio de que, para que haja espaço para adaptação e pesquisas, descobertas e inovação de processos, é necessário reduzir a quantidade de tarefas operacionais. Entre elas está abrir mão de novos levantamentos e usar informações já existentes e registradas em planilhas e estudos, priorizando a capacidade de análise e não de coleta de dados. 

O especialista pontuou que, antes de a sociedade poder retomar suas atividades presenciais, o momento atual pode ser usado pelas equipes de monitoramento e avaliação como tempo de estudo e preparo dos próximos passos e ações futuras. Nesse sentido, conceitos como sistematização de práticas e experiências, meta-avaliação e avaliabilidade podem ser práticas bem-vindas, além da realização de grupos de estudo e de leitura e, de acordo com o que for possível, redução do excesso de agenda e do fazer automatizado e mudança para um processo mais estudioso e contemplativo. 

“Esse pode ser um tempo adequado para nos prepararmos um pouco mais para os estudos que faremos no futuro na perspectiva de aprender com essa crise e, quem sabe, produzir uma sociedade mais capaz de lidar com outras crises que virão, conforme apontam os ecologistas”, defendeu. 

Para Rogério, é fundamental ter em mente que muito do que estava sendo feito pelas organizações em termos de ações, projetos e programas pode perder o sentido considerando as consequências subjetivas, econômicas e sociais da pandemia. Por isso, ‘acolher este fenômeno e sustentar caminhos reflexivos para a produção de novos sentidos, estratégias e práticas pode ser a alternativa mais potente para reinventar as organizações e a própria sociedade. É o que o vértice histórico em que nos encontramos requer de cada um de nós’, reforça o documento. 

Como as organizações estão lidando com o contexto 

O encontro também dedicou um momento para que, em grupos menores, os participantes pudessem compartilhar como cada organização tem se organizado para enfrentar os desafios impostos pelo contexto da pandemia, como o momento tem influenciado a agenda de M&A e quais são aprendizados possíveis para a área a partir das vivências mais recentes. 

Entre as estratégias estão: classificação dos projetos por grau de risco, considerando os impactos financeiros e nos cronogramas, validando o que tem continuidade atualmente e o que será momentaneamente interrompido; as contribuições de uma cultura avaliativa dentro das organizações e como isso facilita e promove processos mais assertivos com geração de conhecimento interno; flexibilização de exigências prévias; articulação de apoios emergenciais que fogem ao escopo dos projetos; entre outras. 

Já entre os desafios apontados pelos participantes do encontro estão, por exemplo, conseguir implementar práticas comuns de monitoramento e avaliação, tendo em vista que as relações com as organizações são adaptadas para cada programa e perfil de entidade. Entre os aprendizados que o momento, mesmo sendo desafiador, proporciona, está a descoberta e valorização de capacidades, competências e habilidades que a própria organização não sabia que possuía no enfrentamento de situações emergenciais. 

Considerando que os encontros da Agenda de Avaliação têm despertado interesse e reunido diversos representantes de organizações, Ana Lima, consultora da Conhecimento Social e da Agenda de Avaliação, avalia que a criação do grupo pelo GIFE como um espaço denso e contínuo de diálogo foi importante para responder demandas sobre o tema. 

A consultora também reforçou a importância de participantes da Agenda trabalharem para diversificar os atores e instituições que discutem esta agenda. “Quanto mais o monitoramento e a avaliação forem vistos de maneira estratégica e tiverem papel mais central e visível dentro das organizações, não de um profissional que coleta dados e faz relatórios, mas sim como um ator fundamental na própria lógica de gestão e cultura da organização, todos sairão ganhando.”

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