A situação dos movimentos sociais e de cidadania

A convergência dos movimentos que constitui o espaço do Fórum social mundial é consolidado nas resistências sociais, ecológicas e democráticas. As lutas sociais se prolongam na luta pela cidadania, pela liberdade e contra a discriminação. As resistências são indissociáveis das práticas concretas de emancipação que pregam os movimentos.

A orientação estratégica dos movimentos se organiza em torno do acesso aos direitos a todos, de igualdade de direitos e de uma democracia imperativa. Os movimentos carregam um novo movimento histórico de emancipação que prolonga e renova os movimentos precedentes. É em torno da definição de direitos, de sua prática e de sua garantia que se defini um novo período de emancipação possível. Ela implica em revisitar as concepções de direito de diferentes gerações: as dos direitos civis e políticos, formalizados pelas revoluções do século XVIII, reafirmados pela Declaração Universal dos Direitos dos Homens, complementados pelas abordagens, colocadas a partir dos totalitarismos dos anos 60; os direitos dos povos proclamados pelos movimentos de descolonização em torno do direito a autodeterminação, do controle de recursos naturais, do direito ao desenvolvimento e do direito a democracia; os direitos econômicos, sociais e culturais da Declaração Universal e especificados pelo Protocolo adicional, adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas de 2000.

Uma nova geração de direito está em gestação; ele corresponde a expressão da dimensão planetária e do direito que se define na busca de outro mundo em relação à globalização dominante. Desse ponto de vista, duas questões serão muito presentes em Dacar: os direitos ambientais na perspectiva da preservação do planeta; os direitos de migrantes e de migrações que interpelam os lugares de fronteiras e de organização do espaço mundial. O FSM de Belém colocou em evidencia o interesse de aproximação aos movimentos que abordam questões ecológicas nas diferentes dimensões, do clima ao esgotamento dos recursos naturais e da biodiversidade, à usurpação da água, das terras e de matérias primarias. O FSM de Dacar colocará em evidencia uma nova aproximação, a de migrações com a ligação entre migração e diásporas e a Charte - Carta - Mundial dos Migrantes.

O FSM de Dacar será também um momento de investigação sobre a descolonização inacabada e sobre a abertura de uma nova fase de descolonização. Nessa perspectiva em que se situa a evolução das relações entre Norte e Sul. Certo da mudança da representação Norte-Sul; do ponto de vista da estrutura social, existe um Norte no Sul e um Sul no Norte. A emergência dos grandes Estados modifica o equilíbrio econômico e geopolítico mundial. Ela é conformada pela ascensão em crescimento de mais de trinta Estados que podem ser considerados emergentes. No entanto, as formas de dominação restam determinantes na ordem mundial; a noção do Sul conserva uma forte atualidade. O Fórum social mundial coloca em evidencia uma nova questão, a do papel histórico e estratégico dos movimentos sociais e os pela cidadania no conjunto dos países emergentes, em relação a seu Estado e lugar desses Estados no mundo futuro. Essa questão, que vem marcando os fóruns através do papel dos movimentos brasileiros e indianos, é de suma importância estratégica para a evolução geopolítica ligada à crise.

O Fórum social mundial é o espaço de encontro entre os movimentos de diversas naturezas e de regiões do mundo. Esse encontro já havia começado a partir da rede que reagrupa diferentes movimentos nacionais. Duas evoluções se afirmam através do processo dos fóruns. Primeiro, os agrupamentos dos movimentos em grandes regiões, suas características e suas situações específicas. Como também, os movimentos da America Latina, na America do Norte, na Ásia do Sul e particularmente na Índia, na Ásia do Sudoeste, Japão, na Europa e Rússia. O Fórum social mundial de Dacar será marcado por duas evoluções importantes, a dos movimentos da região do Maghreb-Machrek, que marcou o ano de 2010 e a preparação de Dacar. O vigor do movimento social africano será visível em Dacar, a partir dos movimentos dos camponeses, sindicalistas, feministas, dos jovens, dos habitantes, dos migrantes e dos refugiados, dos grupos culturais e originários, dos comitês contra a pobreza e a dívidas, do trabalho informal e da economia solidaria, etc. Esses movimentos são visíveis, com seus pontos de convergências e suas diversidades nas sub-regiões africanas, na África do Norte, sobre tudo no Maghreb, na África Ocidental e Central, na África Oriental e Austral.

Durante o Fórum social mundial de Dacar, uma questão presente será aquela de desobstrução das políticas das mobilizações sociais e das mobilizações pela cidadania. Ela concerne à expressão política dos movimentos e dos prolongamentos dos movimentos em relação às instituições, o cenário político e o governo dos Estados. Ao nível do conjunto de movimentos, a reflexão progride sobre a importância de precisar, através da invenção de uma nova cultura política, uma relação do poder com a política. O processo dos FSM deu base para essa nova cultura política (horizontal, diversificada, convergente as rede de cidadania e de movimentos sociais, atividades autogestadas,...) mas deverá ainda inovar sobre muitas abordagens da política e do poder da antiga cultura política que continua largamente dominante. Além disso, a tradução política dos avanços de mobilizações depende das situações. Ela se diferencia seguindo os níveis da natureza das instituições e dos representantes políticos; o nível local através da possibilidade de fazer pesar nas escolhas das autoridades locais; ao nível nacional e internacional através dos governos dos Estados, dos regimes políticos e das instituições internacionais; ao nível regional e mundial através das alianças geoeconômicas e geoculturais e através da construção de uma opinião política mundial e uma consciência universal.

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