A tragédia de Niterói e a responsabilidade social empresarial
Além do poder público, as empresas e a sociedade têm sua parcela de culpa em situações como a do Morro do Bumba, pelo modo como lidam com o lixo que produzem.
Quando o Morro do Bumba, em Niterói (RJ), veio abaixo, soterrando centenas de vidas, deixando outras centenas ao desabrigo e destruindo famílias e sonhos, alguém pensou que essa tragédia também tem a ver com o nosso modo de vida consumista? E que as empresas, além do poder público, também falharam em seu papel social?
A omissão do poder público é sempre mais fácil de detectar. O Morro do Bumba foi um lixão de 1970 a 1986. Com o saturamento da área, a prefeitura de Niterói passou a levar o lixo da cidade para um aterro em Duque de Caxias (RJ) e proibiu a ocupação do local. Mas, como ocorre em toda cidade brasileira, logo surgiram algumas casinhas de alvenaria, que não foram retiradas. Com isso, outras casinhas foram sendo construídas e, num prazo muito curto, estava formada uma nova comunidade. E os moradores começaram a reivindicar melhorias urbanas, que foram chegando. Nada disso impediu o deslizamento, pela topografia do terreno. Outro lixão de Niterói, o São Lourenço, hoje é um bairro totalmente urbanizado e regularmente ocupado.
Não vamos aqui comentar os desmandos dos diversos governos, que permitiram a ocupação de uma área totalmente inadequada para a construção de residências. Esse aspecto vem sendo tratado pela imprensa. Queremos, sim, ressaltar que as empresas e a sociedade também têm sua parcela de culpa, pela maneira com que lidavam e lidam com o lixo. Niterói chegou a um ponto que não tem mais onde pôr seu lixo, situação idêntica à de muitos municípios brasileiros.
Outro dado sobre o Estado do Rio de Janeiro: o despejo de lixo (resíduos sólidos recicláveis) nos rios é um dos maiores problemas de poluição no Estado. Segundo dados da Secretaria de Meio Ambiente fluminense, são retirados anualmente das lagoas, rios e canais do Estado, aproximadamente 2 milhões de metros cúbicos de detritos. Entre o material recolhido, há móveis, pneus, toneladas de garrafas pet, embalagens longa vida e até mesmo carrocerias de automóveis.
Mais difícil do que retirar esses resíduos do meio ambiente é evitar que eles cheguem até lá. Para tanto, a coleta seletiva e a reciclagem dos materiais são imprescindíveis. O Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos, realizado pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) e pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), revela que são recolhidos aproximadamente 50 milhões de toneladas por ano de resíduos pelos serviços de limpeza pública nos 5.564 municípios brasileiros. A Abrelpe calcula que 56% deste total vão para aterros sanitários e 44% para lixões ou aterros controlados.
O Brasil se destaca na reciclagem de determinados materiais, como papel e papelão, alumínio e vidro. No entanto, algumas regiões do país ainda não possuem sequer serviço de limpeza urbana diário. É preciso corrigir essas defasagens, ampliando os pontos de coleta de material reciclável, para, com isso, avançar no tratamento dos resíduos e na reciclagem.
Iniciativas das empresas
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, recentemente aprovada pelo Congresso, depois de 19 anos de tramitação, deve ser o impulso decisivo para a consolidação da reciclagem de resíduos sólidos como atividade econômica e como atitude de cidadania também, uma vez que estabelece o princípio da corresponsabilidade na geração de resíduos.
Iniciativas empresariais já existem desde o início dos anos 2000. Ações entre grandes redes de supermercados, fabricantes de embalagens e indústrias vêm buscando reforçar a participação da sociedade no processo e também promover a inclusão dos catadores na cadeia produtiva.
A mais recente ação foi lançada nesta segunda-feira (12/4) pela Coca Cola, o Carrefour e a Tetra Pak, com apoio do Instituto Akatu. Dez lojas da rede, localizadas na capital paulista e em Campinas, Santos, São Vicente e Piracicaba, vão receber embalagens de suco Del Valle trazidas pelos clientes. Para cada embalagem entregue, o consumidor terá 30 centavos de desconto na compra de outra embalagem de suco da marca. Para Paulo Pianez, diretor de Sustentabilidade do Carrefour, "a iniciativa é mais uma importante contribuição para estimular a reciclagem de resíduos sólidos pela população e se soma às diversas ações que a rede já realiza na área, focadas na promoção de um consumo mais consciente e sustentável".
Walmart e Pão de Açúcar também possuem iniciativas parecidas, não envolvendo desconto, mas visando educar o público para a importância da reciclagem e incluir os catadores na cadeia de valor das empresas, gerando renda e trabalho para as cooperativas e seus cooperados. Além de, logicamente, diminuir a pressão sobre os aterros.
Só o Walmart recebe perto de 2 toneladas por mês de recicláveis em cada loja em que há ponto de coleta seletiva. A empresa possui 308 estações de reciclagem no Brasil, beneficiando 96 cooperativas e 2.800 catadores cooperados. Em convênio com a Fundação Nestlé, tem uma promoção em duas lojas Bom Preço, de Recife e Salvador: a cada cinco embalagens Nestlé entregues no quiosque da empresa, o cliente ganha uma revistinha de receitas.
Desde 2001, o Grupo Pão de Açúcar mantém, em parceria com a Unilever, as Estações de Reciclagem Pão de Açúcar-Unilever, que atuam em dois focos principais: preservando o meio ambiente e gerando emprego e renda para as cooperativas participantes. A adesão dos clientes e os benefícios do programa permitiram sua expansão para 31 municípios, de oito Estados mais o Distrito Federal, totalizando 110 estações, que beneficiam 33 cooperativas. Até fevereiro de 2010, já haviam sido arrecadadas 34 mil toneladas de materiais recicláveis.
A rede Extra aderiu à causa em 2007, quando, em parceria com a Pepsico, criou o Programa Estações de Reciclagem Extra H2O!. O programa já conta com 78 postos de coleta em 27 municípios de 15 Estados e no Distrito Federal, tendo arrecadado 1 mil toneladas de material reciclável e beneficiado 17 cooperativas.
Há três anos, as redes Pão de Açúcar, Extra e Compre Bem iniciaram o recebimento de óleo de cozinha usado. Até agora já foram arrecadados quase 400 mil litros de óleo, que foram doados às cooperativas e depois vendidos a empresas produtoras de biocombustível, deixando de contaminar rios e mananciais e contribuindo para a redução do uso de combustíveis fósseis.
Paralelamente, o Grupo Pão de Açúcar desenvolve, desde 2008, um programa de reciclagem pré-consumo – o Caixa Verde –, por meio do qual o cliente, já na hora da compra, deposita as embalagens que pode descartar em urnas instaladas nos check-outs das lojas.
Além de estimular a reciclagem, tanto o Carrefour quanto o Pão de Açúcar e o Walmart comercializam em suas lojas sacolas retornáveis para substituir as sacolas plásticas no acondicionamento das compras.
Essas iniciativas comprovam que empresas, sociedade e governos, trabalhando juntos, podem zerar os resíduos despejados no meio ambiente e evitar tragédias como a do Morro do Bumba.
Por Cris Spera e Benjamin S. Gonçalves (Instituto Ethos)
Comentários
Postar um comentário