Representante da ABMP fala sobre participação infantil em atividades artísticas

A participação de crianças em eventos artísticos é formalmente criticada quando configura trabalho infantil. Mas a participação de crianças e adolescentes em outras atividades artísticas, não necessariamente remuneradas, também são alvo de preocupação. O que fazer para contornar o assédio para que os pequenos se exponham no carnaval ou em shows de calouros, por exemplo? As decisões sobre o que fazer nesse sentido não podem ser tomadas de acordo com uma fórmula pronta.

Na opinião de Brigitte Remor, juíza em Santa Catarina e 2ª Vice-Presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores e Defensores Públicos da Infância e Juventude (ABMP), é preciso considerar a totalidade do sistema cultural em que estão inseridas as pautas da infância e da juventude e, ainda, melhorar o diálogo com as próprias crianças, para interpretar corretamente sua vontade e suas aspirações. “É preciso ver a criança como sujeito, e não objeto”, defende a juíza, em entrevista ao Portal Pró-Menino. Confira a seguir a entrevista:


Portal Pró-Menino: Como a ABMP vê a participação das crianças em atividades de grande exposição, por exemplo a participação em trabalhos artísticos e em eventos como o carnaval?
Brigitte Remor: A ABMP trabalha no sentido de aprimorar como um todo o sistema de infância e juventude. Temos potencialmente de vivificar o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) por seus princípios fundamentais, pensando essas questões de um modo mais abrangente. Por exemplo: a sociedade tem uma série elementos de erotização, principalmente na mídia. Mas em vez de só criticar isso, precisamos pensar que tipo de resgate queremos fazer, pensar também como fica a erotização no dia a dia. Temos que aprofundar muito a discussão, para que isso sirva para discutirmos relações mais profundas. Principalmente, o juiz tem que ver a criança como sujeito, não como objeto, nesse processo.

PM: Então é preciso seguir a vontade da criança?
BR: Em nível mundial, tem sido muito trabalhado o tema da participação da criança e do adolescente, para identificar seus próprios desejos. O ECA fala isso, mas aqui ainda estamos inserindo e exercitando a “escuta”. Há colegas exercitando a participação consciente, o diálogo. Em processos judiciais, já existe a previsão de ser obrigatória a escuta da criança, como no caso de adoção. Em procedimentos administrativos, como nos casos de portaria, ali não tem caráter de processo, de ampla discussão, então não existe a previsão dessa escuta.

PM: O que são esses procedimentos administrativos?
BR: Os artigos 148 e 149 do ECA dizem o que os juízes da infância podem ou não fazer, ou seja, qual é sua competência. Entre as competências dos processos judiciais, tem a competência para procedimentos administrativos. São casos também chamados de “competência judiciária disciplinar”, ou seja, não necessariamente é a atuação judiciária dentro de um processo, entre partes. São casos de portaria ou alvará para autorizar entrada e permanência de criança e adolescentes em determinados eventos sociais, como o carnaval, por exemplo.

PM: No carnaval, houve uma decisão para autorizar a participação de uma garota de 7 anos como “rainha da bateria” de uma escola de samba. Mas, ao mesmo tempo, houve uma decisão em uma cidade do Ceará que proibiu qualquer criança de participar das festas de carnaval nas ruas, mesmo que acompanhada dos pais. Como isso é possível?
BR: Esses procedimentos administrativos, ao mesmo tempo que são gerais (porque não são individuais), são válidos apenas para uma determinada região (a Comarca). O fato de cada juiz em cada localidade ter autonomia para decidir é um diferencial em relação ao “trauma” do Código de Menores, que trazia orientações fechadas bastante autoritárias. Assim, é uma segurança jurídica o fato de que em cada localidade se possa seguir seus próprios critérios, mas sempre observando parâmetros que estão claros no ECA, que são os seguintes:
- os princípios do ECA;
- as peculiaridades locais, a cultura local;
- a existência de instalações adequadas [no local do evento];
- o perfil da freqüência habitual do local;
- a adequação do ambiente para crianças e/ou adolescentes (questões físicas simples, como como higiene, segurança);
- a natureza do espetáculo analisado;
Além disso, cada decisão tem que ser fundamentada, ou seja, não é algo fácil de se fazer, é preciso observar as peculiaridades e a diversidade existente no país.

PM: Existe alguma iniciativa da ABMP em buscar uma orientação predominante para a aplicação dos direitos das crianças em casos como esses?
BR: A ABMP tem trabalhado necessidade de instalar varas especializadas (varas da infância) em mais comarcas, para garantir que os dispositivos do ECA sejam levados em consideração, porque é preciso conhecer esses princípios específicos, ter um olhar diferenciado quando se trata de infância. Temos um levantamento que mostra que, no Brasil, o número de varas da infância com magistrados especializados ainda é pequeno, e é preciso melhorar a capacitação específica para os magistrados que assumem o trabalho nessas varas, além de promover a manutenção de equipes técnicas especializadas para apoiar esse trabalho.

PM: Como a sociedade pode participar da construção desse sistema que respeite os princípios do ECA?
BR: Nenhum juiz, no gabinete, consegue fazer um trabalho integral. Existem colegas [juízes] que até defendem que os procedimentos disciplinares deveriam ser feitos pelas próprias comunidades, e não por um juiz. A ABMP sempre envolve outros atores do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, como ONGs, nos fluxos de trabalho, porque entende que só se pode construir algo se for em rede. É assim que pensamos a discussão com a sociedade. Temos que nos unir para fazer a diferença.

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