COVID-19: prevenção e acesso a saúde são questões urgentes para mulheres indígenaspor ONU Brasil |
A pandemia do novo coronavírus e as medidas de prevenção trazem desafios ao mundo inteiro. Para cerca de 820 mil mulheres, homens e crianças indígenas, de 305 etnias e 274 línguas no Brasil, a prevenção à contaminação e o acesso à saúde são questões preocupantes diante da intensificação das medidas para conter a disseminação da doença. Cerca de 500 mil indígenas vivem em áreas rurais. Em 1º de abril, foi confirmado o primeiro caso de contaminação indígena no país: uma mulher indígena, no interior do Amazonas, que atua na área da saúde.
Em entrevista à ONU Mulheres Brasil, Tsitsina Xavante, do Voz das Mulheres Indígenas e assessora do Grupo da Sociedade Civil Brasil da ONU Mulheres, relata que a resposta do poder público ainda demanda mais integração. “Cada estado tem estratégia diferente”, diz ela, lembrando que em municípios do mesmo estado os encaminhamentos são diferentes, o que torna vulnerável a assistência equitativa aos povos indígenas brasileiros.
Outro aspecto é a qualidade das informações sobre a pandemia, incluindo a produção de conteúdos em línguas indígenas por iniciativa das comunidades, do Ministério da Saúde e de organismos internacionais. Em Roraima, por exemplo, a Plataforma de Resposta a Venezuelanos e Venezuelanas distribuiu conteúdos na língua warao.
Tsitsina lembra ainda o direito humano à comunicação dos povos indígenas de serem retratados sem estigmas, para não aumentar a vulnerabilidade nas localidades onde vivem. Ela considera que os meios de comunicação precisam de ética para divulgar casos suspeitos ou confirmados de coronavírus em populações indígenas, para não provocar discriminação e racismo. "É preciso abordar a necessidade de mais e melhores serviços à saúde indígena para combater doenças já presentes e prevenir contra a pandemia COVID 19”, avalia.
Contaminações históricas - Leonice Tupari, integrante do Voz das Mulheres Indígenas, vive em Rondônia e chama a atenção sobre como os povos indígenas têm enfrentado doenças surgidas de povos não-indígenas há mais de 500 anos. “Para muitos de nós, o vírus não é muita surpresa. Porque o nosso povo teve uma epidemia muito grande que quase dizimou toda a nação indígena. Então, há relatos sobre como conseguiram sobreviver, fugindo para dentro da mata naquele momento. Hoje, o que estamos vivendo é um momento parecido com esse vírus que está aí. A gente aqui, no estado, está tentando conversar não apenas com as mulheres indígenas, mas com todos para que se mantenham nas comunidades indígenas”, conta.
Leonice vive na Terra Indígena Rio Branco, cortada pelos rios Branco e Guaporé, no município de Alta Floresta do Oeste, em Rondônia. Em território demarcado e homologado, ela convive com nove povos: Arua, Makurap, Kampé, Tupari, Dihoi, Jabuti, Sakirabia, Kanoê, Arikapú.
“Aqui no nosso estado somos 56 povos indígenas, incluindo isolados. Temos uma grande diversidade de culturas diferentes. Cada um tem o seu jeito de ser. Não está fácil manter as pessoas dentro das áreas indígenas, mas muitos compreendem a gravidade porque estão vendo os números de mortes no Brasil e no mundo. A gente está tentando conversar mesmo com as dificuldades, por conta da falta de acesso à internet. Eu mesma, que sou uma coordenadora, estou na aldeia com a minha família e estou tentando levar informação para manter as nossas comunidades nas nossas bases”, explica.
Entre as orientações, estão atenção à higiene pessoal, aos cuidados com o lixo e às vulnerabilidades entre os povos indígenas. “Às vezes, a gente se cumprimenta com aperto de mão, é um hábito difícil de deixar. A gente tem preocupação com os parentes isolados, eles não tiveram contato com a sociedade não-indígena”, relata Leonice. Ela ressalta o receio histórico dis povos indígenas às doenças de não-indígenas, que ressurge com a Covid-19: “Não foi o coronavírus, mas outros vírus que dizimaram povos indígenas no Brasil. A gente tem esse medo. A preocupação é grande”.
Controle social - Eliana Karajá é representante dos povos indígenas na Comissão de Articulação com os Movimentos Sociais (CAMS), coordenadora da Associação Indígenas do Vale Araguaia (ASIVA) e integra a iniciativa Voz das Mulheres Indígenas. Ela avalia que os municípios não estão preparados para prestar atendimento adequado aos povos indígenas.
"Sou conselheira na cidade de Aragarças (Goiás) e pedi o plano de ação sobre o enfrentamento da pandemia, até para saber como informar indígenas que moram na cidade e na aldeia. Não há plano de contingenciamento nem definição sobre como as ações serão desenvolvidas”, afirma Eliana.
Ela conta que as ações municipais estão voltadas ao atendimento da população em geral e ainda não abordam as especificidades dos povos indígenas. As preocupações com a qualidade da resposta de saúde aos povos indígenas foram compartilhadas por lideranças por meio da comunicação presencial e via redes sociais.
A estratégia priorizada é o distanciamento social. “Orientamos o povo da nossa comunidade, mandando comunicados, enviando informações por WhatsApp, via Facebook, informando e mostrando a necessidade de isolamento das aldeias. Pedimos a caciques e lideranças para que fizessem o trabalho de comunicação nas aldeias sobre o que estava acontecendo fora da aldeia, já que não podíamos chegar até lá por conta da quarentena”, conta Eliana Karajá.
A conselheira salienta que as medidas de prevenção implicaram mudança de hábitos porque as pessoas têm o costume de manter contato físico. “Foram elaborados vídeos e áudios para que tivessem acesso ao que estava acontecendo fora da aldeia e para que não saíssem das aldeias. Há várias aldeias que fizeram compras e fecharam entrada e saída. Quem sai, tem que tomar os cuidados de higiene pessoal”, reitera.
Entre os principais argumentos apresentados aos povos indígenas para manter o isolamento estão a escassez do sistema público de saúde, a distância entre os municípios, a localização das aldeias e a especificidade de saúde dos povos indígenas. “Nós, povos indígenas, temos imunidade baixa e precisamos mesmo fazer o isolamento", aconselha Eliana Karajá.
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