OPINIÃO | A memória como legado para as futuras gerações
Artigo do presidente da liga do desporto, Jean Gaspar, sobre a Comissão da Verdade
A
exemplo de vários países que passaram por regimes autoritários ou guerras
civis, o Brasil instituiu, em 16 de maio de 2012, a Comissão Nacional da
Verdade, para apurar as graves violações de direitos humanos ocorridas entre 18
de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988 no país. O objetivo é, segundo a lei
que a criou, “efetivar o direito à memória e à
verdade histórica e promover a reconciliação nacional”. Trata-se,
portanto, de um marco na história brasileira e um importante passo para a
formação das futuras gerações.
O
Brasil não está sozinho nessa empreitada. Nos últimos 30 anos, mais de 40
países implantaram Comissões da Verdade, a maioria em países da América Latina e da África, para investigar
crimes contra a humanidade. Mas não só onde houve ditaduras foram criadas essas
comissões. Elas também são responsáveis por investigar violações de direitos
humanos em democracias, como ocorreu em relação aos indígenas na Austrália e no
Canadá, ou sobre a prisão dos americanos de origem japonesa nos Estados Unidos,
durante a Segunda Guerra Mundial.
Qual a importância dessas Comissões da Verdade?
Como aponta a Anistia Internacional Brasil, ela ensina que a justiça de
transição é construída sobre três pilares: direito à verdade, a reparações e à
justiça.
O primeiro pilar refere-se ao direito de esclarecer
as violações de direitos humanos, quem foram seus autores e qual conjuntura
político-econômica levou a sua realização. O direito a reparações não se dá
apenas por meio de indenizações financeiras às vítimas, mas também pela
valorização da memória, como a construção de museus. E o direito à justiça diz
respeito ao reconhecimento da responsabilidade do Estado e punição dos
responsáveis.
É uma oportunidade única de romper com padrões de violações de direitos humanos que ainda acontecem em muitas instâncias do Estado no Brasil.
Para
isso, diversos grupos de trabalhos estão pesquisando como foi o golpe de 1964 e
os crimes decorrentes, como as violências, torturas, execuções e
desaparecimentos, as doutrinas e ideologias que serviram de base para
repressão, as violações contra os índios na luta pela terra, a guerrilha do
Araguaia, as violências sexuais contra mulheres, suas consequências e impactos,
sobretudo aquelas que participaram de forma ativa em movimentos de resistência.
Ao todo, são treze grupos de trabalhos, que incluem ainda a perseguição a
militares e a brasileiros no exterior e estrangeiros no Brasil.
A
Comissão tem ainda um ano de trabalho pela frente, para apresentar seu
relatório final. Mas, desde já, em seus resultados parciais, já vemos
conquistas, como as descobertas sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog ou
o desaparecimento do deputado Rubens Paiva.
Esta é uma oportunidade única de romper com
padrões de violações de direitos humanos que ainda acontecem em muitas
instâncias do Estado no Brasil, como vemos na persistência da tortura em
prisões e a violência policial. Mas estamos convencidos que
seu trabalho poderá subsidiar futuras políticas públicas de combate à
violência.
A preservação da memória é instrumento
fundamental contra a barbárie. Para nós, brasileiros, a Comissão da Verdade vai
nos ajudar a identificar o mapa da violência, para que possamos combatê-la de
frente.
Só assim, consolidaremos nossa democracia e deixaremos um legado às futuras
gerações em defesa das liberdades individuais e coletivas e, sobretudo, de
valorização da vida.
Jean Gaspar, mestre em Filosofia pela PUC/SP, é apresentador do programa Filosofia no Cotidiano (TV Cantareira) e presidente da Liga do Desporto, entidade que promove atividades físicas e desportivas como instrumento de educação e formação da cidadania.
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