O lado bom e o ruim do legado de Niemeyer
“Já sabemos qual será a manchete”, disse Ángel Gurría-Quintana, mediador da mesa As Medidas da História,
ao encerrar o evento que reuniu nesta quinta (4) o crítico de
arquitetura Paul Goldberger e o arquiteto português Eduardo Souto de
Moura. Bem-humorado, Gurría-Quintana fez sua aposta: “Paul Goldberger
diz que Niemeyer foi o melhor e o pior que poderia ter acontecido para a
arquitetura no Brasil”. De fato, a declaração de Goldberger, que já recebeu o Pulitzer (em 1984) por seus textos sobre arquitetura e é autor de livros como A Relevância da Arquitetura, é daquele tipo que chama a atenção. Mas a verdade é que a mesa teve muitas provocações, análises e comentários marcantes. Entre elas, a divertida observação de Souto de Moura ao lembrar seu tempo de estudante em Portugal. “[Naquela época], arquitetura era linguística, sociologia, semiótica... Era tudo menos arquitetura. Só que as pessoas não dormem embaixo de semiótica. Elas dormem e fazem amor sob um teto”, disse o português, que recebeu o prêmio Pritzker, considerado o Oscar da arquitetura, em 2011. A partir de uma citação do arquiteto modernista Mies van der Rohe (1886-1969) – “A arquitetura é a vontade de uma época traduzida em espaço” – Goldberger e Souto de Moura entabularam uma conversa que passou por aspectos como a função da crítica, a angústia do processo de criação e as possibilidades e limites da arquitetura na sociedade. Como não podia deixar de ser, a questão dos protestos nas ruas do Brasil entraram no debate. “Admiro o idealismo social dos primeiros modernistas, o fato de que queriam juntar a arquitetura a um programa social, para criar um lugar melhor”, disse Goldberger. “Nós vemos isso nas ruas do Brasil agora, nos protestos. Porém, não vemos muito na arquitetura. É uma falácia a crença de que, se fizermos uma arquitetura correta, tudo ficará bem. Ela não vai curar doentes ou dar alimento aos famintos. Mas sinto pena por esse idealismo ter sido totalmente abandonado. Espero que o clima atual possa trazer isso de volta.” Foi por meio do público que veio a pergunta sobre o trabalho de arquitetos brasileiros contemporâneos e o legado de Oscar Niemeyer, morto em dezembro do ano passado, aos 104 anos. Tanto Goldberger como Souto de Moura não economizaram elogios a Paulo Mendes de Rocha, responsável, entre outros projetos, pela intervenção arquitetônica na Pinacoteca de São Paulo. “O trabalho do Paulo é um monólito do ponto de vista brasileiro, de uma maneira de ser, de ver o mundo ética e politicamente”, disse Souto de Moura. “Paulo Mendes da Rocha representa algo muito profundo na arquitetura brasileira, tem importância gigantesca”, acrescentou Goldberger. Em relação a Niemeyer, porém, houve elogios e críticas. “Para mim, interessa o caráter ético e estético das primeiras obras de Niemeyer”, disse Souto de Moura. “Não era preciso convidar Corbusier para fazer um edifício no Brasil porque havia aqui um arquiteto que usava a tradição portuguesa, com azulejo, piloti, brise-soleil, e usava as palmeiras locais... Tudo isso muito enquadrado com pensamento de Lucio Costa – que, na teoria, era brilhante. Somos obrigados a ser locais e universais, e isso Niemeyer fez brilhantemente.” Para Goldberger, Niemeyer foi vítima da própria fama. “A tragédia dele é ter acreditado na própria lenda e passado a copiar a si mesmo”, disse. “Ele foi a melhor e a pior coisa que poderia ter acontecido para a arquitetura brasileira, pois tornou as pessoas conscientes da produção nacional, mas deu a impressão errada de que só havia ele”, afirmou, citando entre os ofuscados por Niemeyer a arquiteta Lina Bo Bardi. “Mas o Brasil fez, há 50 anos, algo que nenhum outro país no mundo fez”, prosseguiu Goldberger, referindo-se a Brasília. “Nos outros países, os símbolos nacionais são do século 19, 18... Só o Brasil fez com que a arquitetura do século 20 seja seu símbolo nacional. Com todos os problemas de Niemeyer, devemos ser gratos a ele por isso.” |
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