MPRJ recorre ao STJ para aplicar Lei Maria da Penha em caso de agressão de ator
Em entendimento unânime, os desembargadores da 7ª Câmara Criminal do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) decidiram, no
último dia 25 de junho, que a Lei Maria da Penha(11.340/06) não se
aplica no caso da agressão de ator contra sua então namorada, também
atriz, ocorrido em 2008. Ficou, assim, anulada a condenação, em 1 ª
instância, de dois anos e nove meses, em regime aberto.
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) decidiu
recorrer da decisão enviando recurso especial criminal ao Superior
Tribunal de Justiça (STJ) para que o réu seja enquadrado na Lei Maria da
Penha.
De acordo com o desembargador Sidney Rosa da Silva, da 7ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em seu
voto, a Lei Maria da Penha não ampara a atriz, porque esta "não pode ser
considerada uma mulher hipossuficiente ou em situação de
vulnerabilidade” e não convivia "em relação de afetividade
estável". Sidney Rosa da Silva disse que, apesar de tratar-se de uma
“agressão de namorado contra namorada”, o que justifica a utilização da
Lei Maria da Penha, o fato de a atriz não ser "uma mulher oprimida ou
subjugada aos caprichos do homem” impede que a legislação seja aplicada
neste caso.
Para fundamentar seu voto, o desembargador afirmou que a atriz
nunca fora uma mulher oprimida ou subjugada por qualquer homem,
lembrando que a Lei Maria da Penha deve ser aplicada quando há o binômio
formado por vulnerabilidade e hipossuficiência (dependência econômica).
Já o MPRJ garante que a lei vale para todas as mulheres,
independente de classe, raça, etnia, renda, cultura e nível educacional.
E que qualquer relação íntima de afeto pode ser enquadrada na
legislação, sem a necessidade de que agressor e vítima morem juntos. No
recurso, o Ministério Público ressalta que a decisão sobre a
vulnerabilidade ou não da vítima não pode levar em conta a função que a
mulher ocupa, suas atitudes em relação à vida e a “sua não submissão aos
caprichos do universo masculino”.
Para a advogada Maria Luíza Póvoa Cruz, presidente do Instituto
Brasileiro de Direito de Família de Goiás (IBDFAM/GO), o entendimento da
7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro é
“um precedente perigoso” que pode “desnaturar” os termos da Legislação
da violência contra mulher. Confira a entrevista:
Como a senhora avalia o entendimento da Justiça do Rio de
Janeiro, que anulou o julgamento em primeira instância, do ator que
agrediu a namorada? O Tribunal entendeu que o caso não se enquadrava na
Lei Maria da Penha...
Maria Luíza - Infelizmente, como um precedente perigoso, e que
poderá desnaturar os termos da Legislação da Violência da Mulher. Com
todo o respeito que ao julgador e às decisões judiciais é devotado, pois
dessas se alicerça e sedimenta a garantia do cidadão no Estado
Democrático de Direito, comungo “in totum” com o Ministério
Público. A violência doméstica contra a mulher sempre existiu e não
cessou. Diariamente, a imprensa revela atos de violência física/moral
praticada contra mulheres. E as que não são reveladas? Mulheres
subjugadas, oprimidas, que se sentem inclusive constrangidas,
amedrontadas, e que nem sempre conseguem se valer de seus direitos.
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro recorreu
alegando que a decisão da 7ª Câmara Criminal violou os artigos 2º e 5º
da Lei Maria da Penha. O artigo 2º diz que são asseguradas as
oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua
saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social
para “toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação
sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos
direitos fundamentais inerentes à pessoa humana”. Já o artigo 5º define
violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão
baseada no gênero em qualquer relação íntima de afeto, na qual o
agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de
coabitação...
Maria Luiza - O espírito do legislador é de grande alcance social. É
esse o teor dos artigos invocados pelo Ministério Público. A mulher,
vítima da violência doméstica e familiar, independentemente do seu
status social ecônomico ou intelectual, deve ser protegida. A
subjetividade, o medo, o constrangimento atingem inquestionavelmente a
mulher, em qualquer status social, máxime, quando o autor dos fatos,
cônjuge/companheiro, se encontra, na maioria das vezes, próximo a
vítima, no seu convívio, dividindo sua intimidade, conhecendo suas
fraquezas, seus passos.
No recurso, o MP aponta que a decisão sobre a
vulnerabilidade ou não da vítima não pode levar em conta a função que a
mulher ocupa, suas atitudes em relação à vida e a “sua não submissão aos
caprichos do universo masculino”. A Lei Maria da Penha prevê
expressamente que a mulher vítima de agressão deve ser submissa para que
o agressor seja enquadrado na Lei ?
Maria Luiza - A aplicação do princípio da igualdade dos direitos
entre homens e mulheres tornou-se um princípio constitucional a partir
de 1988. Porém, a igualização de direitos não se efetivou na plenitude. A
igualdade formal está dirimida, mas não a igualdade material. E, para
tanto,é necessário um tratamento diferenciado, para que o princípio
possa valer. O gênero historicamente mais fraco ainda precisa de maior
proteção. No dizer de Rodrigo da Cunha Pereira*, o assujeitamento
histórico da mulher aos homens “levou Lacan a construir um aforismo que
até hoje provoca muito incômodo e inquietação: a mulher não existe”.
Prosseguindo, sobre a importância desse aforismo, Rodrigo da Cunha
mostra que se começou a pensar que as mulheres não apresentaram ao mundo
um discurso feminino, “já que todo ele é baseado e identificado com o
discurso fálico masculino”.
A Lei Maria da Penha só deve ser aplicada quando há o
binômio formado por vulnerabilidade e hipossuficiência (dependência
econômica)? Isto é, na sua opinião, uma falha no texto da Lei?
Maria Luiza - Com todo respeito e consideração a posicionamentos em
contrário, numa visão constitucional, em que a dignidade da pessoa
humana é o vértice do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, III), e
considerando que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa
de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a
violência no âmbito das relações (artigo 226, §8º), nada a acrescentar,
senão a aplicabilidade da lei na plenitude.
*Rodrigo da Cunha Pereira é advogado especialista em Direito de
Família e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família
(IBDFAM).
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