Lei dos Portos e o gargalo de infraestrutura
Fabio Martins Di Jorge e Victor Penitente Trevizan -
Em meio à turbulência das últimas
semanas, foi publicado no último dia 27 de junho o Decreto nº 8.033, que
regulamenta a Lei dos Portos. A nova regulamentação foi editada pelo
Poder Executivo sem que, antes, fossem votados os treze vetos da
Presidência da República ao texto aprovado pelo Congresso Nacional. A
insegurança jurídica preocupa especialistas e investidores do setor e o
decreto, tal como editado, ameniza o impacto da omissão administrativa,
eis que traz à colação importantes instrumentos para incentivarem os
investimentos e a concorrência. Para tanto, competirá à União, por meio
de Secretaria de Portos da Presidência da República, elaborar o plano
geral de outorgas, com definição da diretriz para exploração e
investimentos que serão aportados nos portos, o que vale dizer, em
última análise, a necessidade de boa gestão dos recursos públicos e
privados para que haja viabilidade técnica, econômica e ambiental dos
projetos de infraestrutura portuária.
A
grande questão que se coloca nos dias de hoje diz respeito ao controle e
fiscalização dos recursos que serão aportados para dar o contorno do
empreendimento, logístico e administrativo. E a eficiência na gestão
começa, por certo, na forma em que licita e contrata a exploração do
serviço, principalmente pela forma democrática de se lançar a discussão
acerca da viabilidade sustentável do projeto. Nesse sentido, o novo
decreto garantiu que não só a Agência Reguladora faça os estudos
prévios, mas, também, qualquer interessado, para depois a instalação do
porto ser submetida à autorização do órgão ambiental competente.
O
edital de licitação, por seu turno, deverá ser completo, a fim de
franquear aos interessados segurança jurídica, falha a ser corrigida
pelo Governo não só para este segmento, como para os demais. Até porque,
terá o licitante vencedor a obrigação, quando prevista no edital, de
indenizar o antigo titular pela parcela não amortizada dos investimentos
realizados em bens afetos ao arrendamento ou à concessão, questão a ser
levada em consideração, por certo, quando da apresentação de proposta.
Agradam os critérios de julgamento editados, tanto para concessão, como
para arrendamento: a maior capacidade de movimentação, a menor tarifa ou
o menor tempo de movimentação de carga, que poderão, ademais, ser
qualificados pela necessidade de maior investimento e a menor
contraprestação do poder concedente, que representam a necessidade de
que o licitante venha a planejar, de forma eficiente, a proposta de
serviço, sob pena de se ver desclassificado. O controle das propostas
efetivamente exequíveis fará da licitação importante instrumento de
concorrência e abertura do setor antes travado burocraticamente e
escondido aos olhos da boa gestão administrativa.
O
Regime Diferenciado de Contratação, mais uma vez é eleito pela
Presidência para a realização das rodadas de licitação. Como já era
esperado, aos poucos, o RDC é utilizado pela União para todos os grandes
projetos de infraestrutura, em que pesem as regras mais rigorosas de
habilitação e controle ainda rondarem a antiga Lei de Licitações, que
clama por reforma no Congresso Nacional. Finda a classificação, está
autorizada a comissão de licitação, tendência hodierna, a negociar
condições mais vantajosas para a Administração Pública, o que também
demandará dos licitantes certa gordura quando da apresentação das
propostas. Dentro do controle que se faz necessário, será do poder
concedente o dever de determinar a correção de falhas porventura
existentes, revogar o procedimento, anulá-lo quando o vício for
insanável e adjudicar o objeto ao vencedor, situação que não escapa do
poder de autotutela da Administração.
De
qualquer forma, os contratos de concessão e de arrendamento terão prazo
de até vinte e cinco anos, prorrogável uma única vez, por período não
superior ao originalmente contratado, a critério do poder concedente,
situação debatida com afinco no Congresso Nacional quando da aprovação
da MP dos Portos. Isso obriga constante aperfeiçoamento do serviço por
parte do particular, sob pena de não ver o contrato renovado. Os
contratos devem garantir o compartilhamento de infraestrutura, a ser
disciplinado pela Antaq e mediante indenização, tal como se prevê para a
questão da infraestrutura de cabeamento e antenas.
Caberá
à Antaq a fiscalização e a regulação das atividades entre
concessionários e arrendatários com terceiros, cuja relação, embora
regida pelo direito privado, pressupõe o cumprimento do plano de
desenvolvimento e zoneamento do porto e das condições do contrato,
inclusive quanto às tarifas e aos preços praticados. De grande
importância, a fim de que o concessionário possa bem explorar as
atividades portuárias, os contratos de arrendamento vigentes no momento
da celebração do contrato de concessão poderão ter sua titularidade
transferida à concessionária, que deverá respeitar os termos contratuais
originalmente pactuados, porém sob o regime de direito privado.
As
áreas localizadas fora do porto organizado serão utilizadas a título
precário, por contrato de adesão e por meio de simples autorização.
Serão destinadas para terminais de uso privado, estação de transbordo de
carga, instalação portuária pública de pequeno porte e instalação
portuária de turismo. O Decreto prevê a forma pela qual a autorização
será expedida, não sendo descartado o chamamento público para
identificação de todos os interessados quando houver possibilidade de
implantação física de duas ou mais instalações portuárias na mesma
região geográfica que gere impedimento operacional a qualquer uma delas.
Caberá à Antaq receber propostas a fim de selecionar a mais vantajosa.
Encerrados os procedimentos, a Antaq enviará a documentação ao poder
concedente que deliberará sobre o resultado do processo e a celebração
dos contratos de adesão, para compatibilizá-lo às diretrizes do
planejamento e das políticas do setor portuário. As resoluções da Antaq
para as áreas localizadas fora do porto organizado deverão ser claras o
suficiente para garantir segurança jurídica ao investidor privado.
A
possibilidade de movimentação de carga por terceiros nos terminais de
uso privado e a abertura pública de concorrência no setor contribuirão,
sensivelmente, para a redução do gargalo de infraestrutura portuária.
Todavia, fatalmente, caso não haja desburocratização do desembaraço
aduaneiro, diante da necessidade de se emprestar efetividade e
aparelhamento aos órgãos que atuam no regime de liberação de cargas,
tais como Receita Federal, Anvisa e Polícia Federal, de nada servirá o
novo marco regulatório dos portos brasileiros, que continuarão a ser os
mais caros e lentos do mundo.
Não
menos importante, evidentemente, a necessidade do Governo Federal
fomentar, na linha de frente, a superação aos gargalos logísticos para
acesso e saída dos portos, com estradas e ferrovias, sem as quais o
escoamento da produção continuará a ser um grande entrave ao
desenvolvimento nacional. A boa e eficiente administração dos portos
deve vir recheada com a superação estratégica de omissão administrativa
ao longo do tempo quanto ao barateamento do deslocamento de pessoas e
coisas no território nacional. Embora a legislação seja bem engendrada,
sem vontade política subjacente o país estará condenado ao ostracismo,
sendo insuficiente qualquer marco regulatório novo em segmento de
infraestrutura.
*Fabio
Martins Di Jorge e Victor Penitente Trevizan são advogados da Área de
Infraestrutura e Ambiental do escritório Peixoto e Cury Advogados.
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