Imigrantes brasileiros entre o bem-estar social e a política neoliberal



Por Renata Santos

O resgate da noção de cidadania tem sido um desafio para imigrantes brasileiros em cidades como Roma e Barcelona, graças à dificuldade de conciliar as políticas de welfare state com o neoliberalismo vigente nesses locais. O problema é tema da tese do doutor em Antropologia Marcos de Araújo Silva, “Dinâmicas da migração brasileira e crise do Welfare State na UE no pós-2008: uma etnografia a partir de Roma e Barcelona”.
Orientado pelo professor Bartolomeu Figueirôa de Medeiros, o trabalho discorreu sobre as estratégias de sobrevivência e integração social que são desenvolvidas por imigrantes brasileiros, nas cidades de Roma e Barcelona, para lidar com as manifestações das políticas de welfare state. Para entender essas estratégias, Araújo acompanhou a trajetória de vida de alguns desses imigrantes, através de entrevistas abertas e observações participantes em ambientes nos quais se encontravam imigrantes brasileiros em geral.
O welfare state, ou Estado de bem-estar social, é um termo que designa que o Estado que deve garantir padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social a todos os cidadãos. Segundo Araújo, os imigrantes entrevistados concluíram que as políticas de welfare state faleceram em suas vidas e eles sentiram a necessidade de dialogar essas políticas com o neoliberalismo vigente, cujos preceitos – que incluem mínima participação estatal nos rumos da economia e defesa dos princípios econômicos do capitalismo - não puderam ser dizimados nessas cidades.
Para tentar dialogar essas duas políticas, o pesquisador defende que “é preciso ao menos tentar fazer com que os preceitos do neoliberalismo não continuem sendo hegemônicos e dialoguem, cada vez mais, com os movimentos de base e assim possam ser reconfigurados por meio de novos pressupostos, mais solidários”. Araújo diz que a noção de cidadania apresenta um sentido bastante reducionista quando se encontra limitada por influências neoliberais como a do capitalismo de consumo, que incentiva a associação estreita entre o sentimento de “ser cidadão” e a capacidade de consumo de cada pessoa.
O papel dos meios de comunicação nesta problemática foi abordado na tese do professor. “Os meios de comunicação de massa incorporaram a tal ponto a premissa de que mecanismos do welfare state como saúde e educação formal foram mercantilizados devido à crise econômica, que discutem a respeito desses mecanismos como se eles fossem ‘produtos’ que cada vez mais vão deixando de fazer parte das prioridades das agendas governamentais”, afirma.
Nesse sentido, Araújo conclui que, nestas cidades, o capitalismo de consumo se tornou uma condição econômica na qual a demanda do consumidor é manipulada, através de comercializações em massa, para a vantagem dos vendedores. Aliada às políticas de welfare state, essa manipulação da demanda do consumidor se torna tão potente que acaba por adquirir uma característica de “coerção”, em que diversas entidades corroboram suas respectivas participações no que ele chama de “gestão de expectativas sociais”, através de mecanismos como a mídia de massa.
MIGRAÇÃO – Além disso, a problemática da inclusão dos imigrantes nas políticas do Estado de bem estar também foi abordada na pesquisa. Araújo afirma que diversos imigrantes relataram que existe uma grande preocupação no sentido de que os imigrantes se integrem às políticas de welfare state nestes dois países. No entanto, estas preocupações se encontram latentes. No caso da Itália, alguns políticos têm tentado tornar obrigatória a participação desses imigrantes a essas condições políticas. Sem esta preocupação, os imigrantes se constituiriam apenas numa ameaça à economia, segurança e bem estar social dos italianos de forma geral.
Apesar disso, o pesquisador afirma que tanto o governo da Roma quanto o de Barcelona têm incorrido no erro de apenas dizer que “todos os imigrantes devem se integrar” quando na prática não oferecem condições efetivas a esses grupos para que o processo de integração ocorra de forma adequada. Segundo ele, não há nem mesmo um consenso entre o governo e esses imigrantes sobre no que consistiria essa integração.
Araújo conclui então que imigrantes como os entrevistados por ele precisam adorar posturas mais críticas em relação às condições econômicas e sociais vigentes nesses países e adotar alternativas para sair desses cenários de hegemonia neoliberal. Sem essas ações será impossível resgatar a sua noção de cidadania em cidades como Roma e Barcelona para os cidadãos naturalizados e, mais ainda, para os demais imigrantes.
Atualmente, Marcos de Araújo Silva é pesquisador de pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE, onde desenvolve uma investigação sobre articulações transnacionais de imigrantes latino-americanos. A nova pesquisa está sendo realizada no Núcleo sobre Epistemologias do Sul Global (Nesg), sob a supervisão do professor Paulo Henrique Martins, e prevê pesquisas etnográficas no Sul da Europa e em metrópoles sul-americanas como Lima, Guayaquil e Santa Cruz de la Sierra.

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