Fatos e imaginação em romances históricos




O cruzamento entre fatos e a imaginação do autor em romances que retratam eventos históricos foi o centro do debate da mesa O espelho da história, que reuniu na tarde de sábado o francês Laurent Binet, de HHhH, e o bósnio, radicado nos Estados Unidos Aleksandar Hemon, de O projeto Lazarus.


Em suas obras e especialmente nesses dois livros, a questão está presente. HHhH (iniciais para “o cérebro de Himmler se chama Heydrich”, em alemão) narra o assassinato do oficial nazista Reinhard Heydrich em 1942, por um narrador que é o próprio Binet; enquanto escreve o romance, o autor coloca questões que teve ao longo da pesquisa do livro, corrigindo erros de capítulos anteriores, por exemplo. “Eu queria contar a história de verdade, mas desde o início me dei conta de que isso é cheio de problemas”, disse o autor, que pelo romance venceu o prêmio francês Goncourt em 2010.


Em O projeto Lazarus, Hemon trata do assassinato de um imigrante nos Estados Unidos, com a voz de um narrador ficcional que guarda semelhanças com o autor. Na abertura do livro, diz o seguinte: “O dia e o lugar são as únicas coisas de que tenho certeza: 2 de março de 1908, Chicago. Afora isso só restam as brumas da história e da dor, em que mergulho agora.” No debate de sábado, justificou a menção á dificuldade de saber exatamente o que se passou. “A informação eu consigo pela internet, mas como saber o que as pessoas sentiam há tanto tempo?”, disse. “Para mim, para conhecer a história é preciso usar a imaginação. Reconhecer que é a sua perspectiva, confessar que não sabe de tudo, e não houve outra opção senão imaginar”


Os dois autores, que constantemente comentaram e elogiaram um o livro do outro, foram claros no que diz respeito a essa imaginação: não se trata de inventar algo para explicar a história, mas complementar com a imaginação as peças que faltam, deixando claro que se está usando, nesse aspecto, a ficção. Juntos, chegaram também a um consenso quanto ao essencial na criação: instabilidade. “O escritor escreve para tentar descobrir como escrever o livro”, disse Hemon, que não se interessa por obras em que se nota que o autor está tentando discorrer sobre alguma verdade que descobrira anteriormente à escrita. Binet complementou essa fala dizendo que o romance deve sempre fornecer questionamentos para o leitor, sem necessariamente dar alguma resposta; reside aí a sua instabilidade.


Hemon, que voltou a Sarajevo em 1997, depois do final da guerra (1992-95), disse ter se surpreendido com a compulsão de seus amigos e conhecidos de lhe contar histórias da época do conflito – algumas até anedóticas e engraçadas, embora naturalmente tristes. Lembrou-se, por exemplo, da história de um amigo cuja família passara semanas sem ter o que comer até que encontraram uma única batata, seca e velha. O grupo, de dez pessoas, colocou a batata no centro da mesa e ficou olhando para ela, até que começaram a gargalhar de sua situação.


“Eu entendi que tudo que eu sei vai acabar quando eu morrer. Entendi isso por causa da guerra: o que a guerra faz é apagar memórias. Por ser bósnio, essa é uma questão para mim. Eu tinha, então, essa necessidade profunda de tentar imaginar as pessoas que tinham sido esquecidas pela história. Contar as histórias dessas pessoas, tentar imaginá-las, é registrar que elas existiram.”


Hemon falou ainda sobre quando escreveu a respeito da morte de sua filha de alguns meses de idade, relato presente em Os livros da minha vida, que ele lança na Flip. “Meu luto é infinito, nada que eu escreva pode substituir minha filha. Mas escrevi porque eu me decidi a fazer literatura indo por caminhos difíceis, não como um passatempo lucrativo. Isso engaja os seres humanos de uma forma que nenhuma outra arte, nada consegue fazer”, concluiu.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Boletim Sesacre desta quarta, 29, sobre o coronavírus

Gestão de Gladson Cameli encerra 2021 com grandes avanços na Educação, Saúde, Segurança e Infraestrutura

Delegacia de Proteção à Pessoa Idosa da Polícia Civil do Pará intensifica ações e aproxima a população de seus serviços