Transparência adiada
Por Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos

Votação do PL 6826 na Comissão Especial foi postergada para 23/5. Há pressões contra a responsabilidade objetiva preconizada no projeto, mas ela é inegociável.

Hoje (9/5), a Comissão Especial da Câmara cujo relator é o deputado Carlos Zaratini deveria estar votando o Projeto de Lei 6826/2010, que estabelece punições administrativas e civis contra empresas corruptoras. Deveria, porque não está fazendo isso. Como já ocorreu em abril, a votação foi novamente adiada, desta vez para o próximo dia 23/5.

Desta vez, o adiamento ocorreu porque o relator acatou uma proposta de emenda que altera os pressupostos do princípio da responsabilidade objetiva, o “coração” desse projeto de lei.
Vamos contextualizar e explicar melhor do que trata o PL 6826, para que se realce a importância que a matéria tem para fechar o cerco contra a corrupção na administração pública.

O “espírito” dessa lei é simples e cristalino: se existe um corrupto, existe um corruptor. E esse corruptor não é uma pessoa física, mas uma empresa, uma ONG, uma associação de classe, enfim, uma pessoa jurídica que também precisa ser punida tão logo se aponte o seu envolvimento em algum ilícito contra a administração pública, como ocorre com a pessoa física.. Hoje, isso não acontece, apesar de todos os casos de corrupção divulgados mostrarem que, por trás das pessoas físicas envolvidas, há empresas tentando levar vantagem.

Por verificar essa ocorrência é que o Executivo enviou ao Congresso, em fevereiro de 2010, o PL 6826. Ele foi elaborado em conjunto pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pelo Ministério da Justiça. A proposta original contém 24 artigos e propõe novas formas de punição para empresas envolvidas em corrupção, como fraude em licitações, pagamento de propina a servidores públicos, lavagem de dinheiro ou maquiagem de serviços e produtos fornecidos ao governo.

Entre as novas punições previstas estão multa (de 1% a 30% do faturamento bruto), impedimento de receber benefícios fiscais e fechamento temporário ou mesmo extinção da pessoa jurídica, dependendo da gravidade do ilícito praticado. Atualmente, a principal sanção aplicável às pessoas jurídicas é a declaração de inidoneidade, que já vem sendo usada pela CGU e por outros órgãos da administração nas três esferas da federação.

Importância do projeto
Durante a audiência pública convocada pela comissão especial do PL 6826, em novembro do ano passado, o ministro Jorge Hage, da CGU, ressaltou que a legislação brasileira é falha no tocante a medidas repressivas diretas contra as empresas envolvidas em corrupção. As penas mais fortes alcançam apenas as pessoas físicas dos dirigentes e empregados. Mas é muito difícil, senão impossível, alcançar o patrimônio da empresa para obter o ressarcimento do dano causado à administração pública. Não há, tampouco, no normativo atual, previsão de aplicação de multa ou impedimento do acesso a incentivos fiscais ou a empréstimos de bancos oficiais para empresas, ainda que comprovadamente envolvidas em corrupção.

O Projeto de Lei 6826 amplia, então, o rol das condutas puníveis, buscando, inclusive, atender aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a convenção de combate ao suborno transnacional da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da qual o Brasil é signatário.

Estados Unidos, Itália, Grécia, França, Reino Unido e Chile são exemplos de países que já contam com legislação específica sobre responsabilização da pessoa jurídica em caso de corrupção, com punições como a proibição de contratos com o setor público, cassação temporária ou definitiva de licença de funcionamento e exclusão temporária ou definitiva das políticas de incentivo ou subsídios, além de pesadas multas ou confisco do valor pago como suborno e do lucro advindo da irregularidade praticada.

Por que a Câmara não vota o projeto?

Na verdade, parece que tem faltado vontade política aos parlamentares, ao mesmo tempo que sobram vigor e empenho de algumas entidades no sentido de bloquear a votação na comissão. Essas entidades querem modificar o princípio da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas contido no projeto.

O que é esse princípio?


No PL 6826, a responsabilidade administrativa da pessoa jurídica está separada da responsabilização judicial.

Com isso, o PL permite a adoção, por parte do Estado, de medidas como suspensão de acesso a créditos públicos e a licitações, bem como a aplicação de multas, sem precisar esperar pelo julgamento. Isso já ocorre com as pessoas físicas, basta ler nos jornais os nomes dos executivos, dos ministros e dos funcionários que foram afastados de suas funções ou tiveram bens arrestados por conta de corrupção, antes mesmo do inquérito policial.

Pelo princípio da responsabilidade objetiva, o Estado não precisa provar a “intenção” de lesar da pessoa jurídica. Basta mostrar que existe uma ligação entre a ação e o resultado dela. Na prática, quer dizer o seguinte: se uma empresa – e seu representante – é pega no ato de pagar suborno a um agente público, ela já será punida, cabendo provar ou não a “intenção” no processo judicial.

A responsabilidade objetiva da pessoa jurídica não extingue a responsabilidade objetiva individual de seus dirigentes no ato ilícito ou daquele que tenha agido sem poderes de representação ou sem autorização superior. Ela “adiciona” às sanções aplicadas aos indivíduos aquelas destinadas às pessoas jurídicas.

Flexibilizar?


Algumas entidades empresariais consideram esse princípio muito “duro” e querem flexibilizá-lo. Também negociam o valor das multas que podem ser aplicadas.

O princípio da responsabilidade objetiva é o cerne desse projeto. Por isso, ele não pode ser alterado nem “flexibilizado”. Sem ele, voltamos à legislação atual, em que é preciso “provar” a culpa de uma empresa cujo funcionário foi pego em ato de corrupção, e só a pessoa física sofre sanções imediatas.

Além do mais, se essas entidades representam empresas sérias e comprometidas com a transparência e a integridade, por que estão preocupadas com a responsabilidade objetiva ou com o valor das multas? Será que imaginam que ser pego em algum ato ilícito contra a administração pública deve fazer parte dos riscos da empresa? Corrupção seria, na visão dessas entidades, algum tipo de recurso ao qual a empresa deve recorrer quando achar necessário?

Nos países onde a corrupção é baixa, funciona o princípio da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas. Se não acaba com a corrupção, ele contribui para que haja um forte controle sobre ela.

O Brasil vive hoje um momento especial na sua história, no qual ganha mais relevância na geopolítica mundial que vem sendo desenhada. A aprovação do PL 6826 é tão importante para a reputação internacional do país quanto o foi a adoção de metas voluntárias para a redução de carbono.

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